29 julho 2012

ENTRETANTO EM CABO VERDE: Cooperação internacional


Acabado de chegar pela madrugada, fui hoje ao Pão Quente (na filial aqui da Achada de Santo António), comprar umas garrafas de água para ter no frigorífico do apartamento, pois está um calor que não se pode!
No Pão Quente, a técnica de pagamento consiste em ir acumulando num papelinho o que se vai consumindo na mesa, pagando-se tudo à saída.
Na caixa, mesmo por baixo do retrato do Dáti (veja o texto O Táxi Humano para perceber quem era), o rapaz de serviço, um míope como eu, reparou no meu sofisticado, porém automático, processo de mudar de óculos, isto é: tirei os óculos de lentes brancas da cara, extraí da embalagem os de sol e pu-los na cara, e devolvi os de lentes brancas à embalagem de onde retirara os escuros.
“Também são graduados...?”, perguntou o rapaz, vivamente interessado na solução.
“Claro, de outro modo não veria nada...”
“Ah...”, disse ele mirando-me a cara com atenção.
“Quer experimentar?”, propus, pois percebi que daquele intercâmbio poderia nascer alguma decisão óptica.
Ele quis e quase gemeu de maravilhamento ao sentir a tonalidade, entre o castanho e o alaranjado, daquela visão do mundo.
“Ué, fica tudo mesmo mais escuro...”
“E tem uma visão nítida ou vê tudo um bocadito embaciado?”
“Vejo um pouco embaciado...”, concluiu ele, levantando e baixando os meus óculos sobre o nariz.
“É que a sua miopia deve ser diferente da minha”, comentei, “quanto é que você tem?”
Ele não sabia, mas, em alternativa, ofereceu-me os óculos dele para eu experimentar, desculpando-se da rachadela vertical de uma das lentes, coisa que teria de mandar compor um dia destes.
“Também vejo tudo um bocado embaciado”, esclareci, usando a moça que comprava pão ao balcão como mira técnica da nitidez factual.
Devolvi-lhe os óculos, ele estendeu-me os meus, informando que, se calhar, ia adoptar a minha técnica: um par de óculos conforme a situação.
“Para mim, ainda é o melhor: há umas palas de encaixar nos óculos normais, mas é uma chatice, nunca fica tão bem...”
Ele torceu o nariz, sabia do que eu estava a falar e também não apreciava o resultado final.
Depois sorrimos um ao outro, como que ressalvando o benefício da troca pela qual tínhamos acabado de passar, ele ficou a atender a moça do pão quente e eu, ajustando os óculos de sol, arrisquei-me ao bafo inclemente da tarde. 
© Fotografia de Pedro Serrano, Praia (Santiago), Julho 2012.

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