04 abril 2013

A MENINA E A GALINHA


Havia uma escadaria de degraus largos e baixos, talhados em granito, e uma balaustrada onde os construtores não tinham poupado a mesma pedra, do mesmo cinzento manchado por cicatrizes esverdinhadas de líquen. Lá em cima, o patamar deitava para um terraço com vista de água.
A menina calçava sapatos de mulher e trepava os degraus pelo lado de dentro da escada, buscando a proximidade da parede da casa. Deveria andar pelos três anos, o cabelo, louro e às ondas e apartado ao meio numa risca, roçava-lhe apenas o pescoço. Numa das mãos segurava, mais pendurado do que estrangulado, o pescoço descarnado de uma galinha muito velha. A galinha fazia débeis movimentos com o bico, como se procurasse o ar, os olhos inexpressivos desinteressados do futuro ou do lugar para onde se dirigiam. Quanto ao resto do corpo, as patas mal afloravam os degraus e era a menina que, graças à sua amizade, garantia que o bicho ainda progredisse em vez de jazer abandonado à sorte dos piolhos e da impiedade dos ratos, pois tal seria o destino se abandonado à sua decrepitude.
A menina continuava a subir os degraus, lutando contra a altura dos degraus, o movediço dos sapatos, contra aquele peso suspenso do bracito; os olhos fitando em frente, determinados, sem brilho de sorriso ou de infância, no limiar do zangado pela consciência de uma tarefa ainda não cumprida.
Uns degraus mais acima, encostado ao rebordo do balaústre, eu via-a aproximar-se, via-a agora passar em grande plano, lamentava não ter ali a máquina fotográfica e a fraca definição da câmara do telemóvel, no bolso de trás das minha calças.
© Fotografia de Pedro Serrano, Março 2013.

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