Havia uma escadaria de degraus largos
e baixos, talhados em granito, e uma balaustrada onde os construtores não tinham poupado a mesma
pedra, do mesmo cinzento manchado por cicatrizes esverdinhadas de líquen. Lá em
cima, o patamar deitava para um terraço com vista de água.
A menina calçava sapatos de mulher e
trepava os degraus pelo lado de dentro da escada, buscando a proximidade da
parede da casa. Deveria andar pelos três anos, o cabelo, louro e às
ondas e apartado ao meio numa risca, roçava-lhe apenas o pescoço. Numa das mãos
segurava, mais pendurado do que estrangulado, o pescoço descarnado de uma
galinha muito velha. A galinha fazia débeis movimentos com o bico, como se
procurasse o ar, os olhos inexpressivos desinteressados do futuro ou do lugar
para onde se dirigiam. Quanto ao resto do corpo, as patas mal afloravam os
degraus e era a menina que, graças à sua amizade, garantia que o bicho ainda
progredisse em vez de jazer abandonado à sorte dos piolhos e da impiedade dos
ratos, pois tal seria o destino se abandonado à sua decrepitude.
A menina continuava a subir os
degraus, lutando contra a altura dos degraus, o movediço dos sapatos, contra
aquele peso suspenso do bracito; os
olhos fitando em frente, determinados, sem brilho de sorriso ou de infância, no
limiar do zangado pela consciência de uma tarefa ainda não cumprida.
Uns degraus mais acima, encostado ao
rebordo do balaústre, eu via-a aproximar-se, via-a agora passar em grande
plano, lamentava não ter ali a máquina fotográfica e a fraca definição da
câmara do telemóvel, no bolso de trás das minha calças.
© Fotografia de Pedro Serrano, Março 2013.
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