20 dezembro 2013

O VENDEDOR DE MÚCUA

Era uma tarde de sol e poeira, como o são na lembrança as tardes errantes em África. Parámos o jipe para perguntar o caminho para Ibêndua e o que nos saltou do lado de lá da janela foi um pequeno vendedor de múcua, expondo uma única peça de mercadoria e mirando-nos de uns óculos escuros em que na metade com lente faltava a haste e na metade com haste não havia vidro espelhado a ocultar um olhar desalentado e atento:
“Será que vou conseguir vender isto a estes branquelas...?”
Corremos a janela sobre o pó e o calor insano, e seguimos caminho com a informação e uma múcua nos braços.
A múcua, para quem não o saiba, é o fruto do embondeiro, por sua vez uma árvore que clama por palavras reverenciais, pois um embondeiro não se deixa ignorar e a sua presença na paisagem é tão forte para a retina e para um coração, de súbito opresso, como encontrar uma manada de elefantes a atravessar uma estrada ou dar, sem aviso, numa clareira silenciosa, com um rinoceronte parado e a olhar para nós.
O embondeiro (no Brasil conhecem-no como baobá) tem o porte majestático e solitário de um animal de grande porte e a própria casca traja a tonalidade rugosa, imune e acinzentada de um paquiderme. Se um embondeiro tombar sobre nós a sensação terá de ser semelhante ao de um prédio de dez andares desarticulado por um sismo.
As múcuas, por seu lado, como não vi suceder tão agudamente com nenhum outro fruto, dão um toque sinistro à árvore: de longe, parecem ratazanas enforcadas pela cauda no tronco. E quando pegámos no enorme fruto oblongo a pelúcia que o reveste não desmente a pelagem macia e pardacenta do roedor...
O interior é revestido por uma esferovite encarniçada sem sombra de humidade e é esse recheio que, fervido em água e posto ao fresco, se transforma numa bebida acidulada que eu gabaria sobretudo pelo exotismo alternativo e, ao contrário do pequeno vendedor da tarde poeirenta, a não deixar grande rasto na memória. 



© Fotografias de Pedro Serrano, Ibêndua, Angola, Julho 2008.

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