Era uma tarde de sol e poeira, como o
são na lembrança as tardes errantes em África. Parámos o jipe para perguntar o
caminho para Ibêndua e o que nos saltou do lado de lá da janela foi um pequeno
vendedor de múcua, expondo uma única peça de mercadoria e mirando-nos de uns
óculos escuros em que na metade com lente faltava a haste e na metade com haste
não havia vidro espelhado a ocultar um olhar desalentado e atento:
“Será que vou conseguir vender isto a
estes branquelas...?”
Corremos a janela sobre o pó e o calor
insano, e seguimos caminho com a informação e uma múcua nos braços.
A múcua, para quem não o saiba, é o
fruto do embondeiro, por sua vez uma árvore que clama por palavras reverenciais,
pois um embondeiro não se deixa ignorar e a sua presença na paisagem é tão
forte para a retina e para um coração, de súbito opresso, como encontrar uma
manada de elefantes a atravessar uma estrada ou dar, sem aviso, numa clareira
silenciosa, com um rinoceronte parado e a olhar para nós.
O embondeiro (no Brasil conhecem-no
como baobá) tem o porte majestático e solitário de um animal de grande porte e
a própria casca traja a tonalidade rugosa, imune e acinzentada de um
paquiderme. Se um embondeiro tombar sobre nós a sensação terá de ser semelhante
ao de um prédio de dez andares desarticulado por um sismo.
As
múcuas, por seu lado, como não vi suceder tão agudamente com nenhum outro
fruto, dão um toque sinistro à árvore: de longe, parecem ratazanas enforcadas
pela cauda no tronco. E quando pegámos no enorme fruto oblongo a pelúcia que o
reveste não desmente a pelagem macia e pardacenta do roedor...
O interior é
revestido por uma esferovite encarniçada sem sombra de humidade e é esse recheio
que, fervido em água e posto ao fresco, se transforma numa bebida acidulada que
eu gabaria sobretudo pelo exotismo alternativo e, ao contrário do pequeno
vendedor da tarde poeirenta, a não deixar grande rasto na memória.
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