Dos russos, diz-nos a caricatura que
são excessivos. Excessivos nas emoções, no dramatismo dos gestos, na avidez
pelas pelas bebidas destiladas...
T. chegou ao encontro um pouco
atrasado ao nosso encontro, explicou o motivo:
“Sou médico do embaixador da Rússia e
ontem o gajo meteu-se nas comidas picantes, bebeu demais, está com uma crise
tremenda de hemorroidal... O desgraçado nem se consegue sentar, não tem
posição, não dormiu a noite inteira!”
“E tu que lhe receitaste?”,
interessei-me, já a pensar em lhe fornecer a minha solução milagrosa para
aquilo, caso ele não a conhecesse.
T. receitara-lhe as pomadas e os
comprimidos do costume, solução muito demorada para quem está sobre chamas.
Hemorroidas assanhadas ou encravadas podem ser um inferno na terra pela dor,
comichão, falta de posição, completa captura do pensamento e da vontade! É
coisa para se desejar ao pior inimigo!
“Não conheces o método da luva?”,
perguntei então. Ele não conhecia.
“Pegas numa luva cirúrgica, de
borracha, enches de água e dás um nó no sítio do punho, para vedar aquilo.
Depois pões a congelar, com o cuidado de que um único dedo fique esticado e os
outros dobrados...”
Em seguida, em tom chocarreiro, sugeri
que o dedo a escolher deveria ser o indicador ou o médio, pois o mindinho era
muito curto e o polegar muito grosso... T. riu; já tinha antecipado o restante
procedimento, mas quis saber detalhes. Forneci-lhos com gosto:
“Depois mandas o gajo deitar-se e
enfiar aquilo entre as nádegas – é o segredo do dedo, de que outro modo
conseguirias tu levar gelo ao olho do cu, lá tão ao fundo da estreita ravina?.
Ele que encoste ao esfíncter a ponta do dedo, devagarinho, e deixe estar o
tempo que aguentar. E vai repetindo o procedimento, até aquilo estar
resolvido...”
T. estava entusiasmado com a ideia,
dizia:
“Vou já telefonar ao homem... mandar à
embaixada uma enfermeira que o ajude a fazer aquilo.”
Igualmente entusiasmado, eu discorria
sobre as razões que tornavam aquele método tão democraticamente acessível e
eficaz:
“O gelo é um analgésico imediato,
incomparável: mal o dedo gelado toca no cu, deixas de sentir a zona. E, para
além disso, tem um efeito anti-inflamatório poderoso, reduz o tamanho daquilo
rapidamente, faz com que tudo possa voltar para dentro... E o facto de o frio
queimar um pouco aquela pele é igualmente positivo: faz com que ela descame e
seja substituída por uma nova...
Mas T. já estava ao telefone a falar
com o russo, com a mão aberta pedia que me calasse um pouco, para entender o
outro melhor, poder concentrar a atenção nas perguntas do diplomata, feitas num
português matrioskónico.
Na manhã seguinte, T. apareceu,
sorridente, a dar novidades sobre a evolução das coisas no bloco Leste:
“Eh, pá, o gajo está mesmo agradecido,
parece outro. Estava tão estafado do sofrimento que adormeceu como um bebé e
dormiu a noite inteira! Diz que já não lhe dói nada, está um pouco dorido mas
está como novo...Recostei-me na cadeira, satisfeito por ter levado paz à alma russa, por ter contribuído – a modesta escala, é certo – para o estreitamento das relações entre os nossos três países.
Fotografia de cima: © Pedro Serrano, Bissau (Guiné), Outubro 2015.
Nota: "Back in the U.S.S.R." é uma canção de Lennon/McCartney, 1968, do álbum The Beatles.
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