Ei, Passos Coelho! Ei, António Costa!
Levantam, por um momento, os olhos da papelada e observem o fenómeno que se
mostra às vossas janelas. Porra! Já passou; ei-lo que sobrevoa os céus sobre
Vila Franca de Xira, ajustando a visão de raios-X às chaminés que vomitam
os seus fumos cinzentos no azul. Registou e continua, não tem tempo a
perder, o seu rumo é determinado por um único fito: Portugal à Frente! Vai, a
caminho do norte inclemente, restituir a confiança, abalada naquele canto do
país pelas consequências de acontecimentos funestos, porém reparáveis.
Há dias, um perigoso surto de
botulismo (uma doença neurológica, prima agravada do Botox, e gerada por
conservas mal produzidas) afectou as alheiras de Mirandela, pôs uma meia-dúzia
de portugueses entre a vida-e-a-morte e, sobretudo, abalou a confiança naquele
produto regional certificado (verifique sempre o brinco de chumbo que atesta a origem),
um ex-libris da zona e do país. Não, a coisa não podia ficar assim e ver
aquelas quebras de 80 % nas vendas era de partir o coração, sobretudo com um
ministro da Economia demissionário, ou quase. Era preciso agir. Murmurou
entredentes Portugal à Frente/Recuperar a
Confiança! e dizendo à secretária “vou sair em serviço”, mas sem precisar o
destino, desceu à cabine telefónica na qual costuma fazer a mudança de
traje e onde guarda as Super-capas. Esta manhã escolheu a de Provador Oficial e aí vai ele, esticando
o braço e fechando o punho, para ganhar impulso na descolagem, e já fazendo
uma graciosa curva em seta no céu alaranjado da enclítica manhã: é que tem de
estar no Palácio dos Távoras ao meio-dia-e-meia, foi essa a hora combinada, para
degustar a Simbólica Alheira perante as câmaras, as Municipais e as Outras.
Um jornalista, infeliz na alegoria,
comparou o feito à iniciativa anterior de um ministro da Agricultura, que
ingerira uma perigosa mioleira em tempo de vacas-loucas. O Provador Oficial não
gostou da comparação: “esse risco não era zero, mas o da alheira é nulo.” Nada
como a segurança de um risco nulo para se ser herói sem perigo, mas,
arriscaríamos inferir que, face a tal coragem e temperamento – ao contrário do
obscuro e esquecido ministro – o nosso Super-Heroi poderia também, sem a surpresa
de mudança, ter ingerido sem perigo a tal mioleira assanhada. São os
desta fibra que se vão do decreto-lei da morte libertando.
E enquanto nos perdemos aqui em
considerações palavrosas, estéreis e
supérfluas, eis que já se fita o céu em Trás-os-Montes, já se apertam os botões
dos casacos e se endireitam as gravatas: é ele que chega a tornar a alheira
saudável.
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