22 outubro 2015

O PROVADOR-MOR

Ei, Passos Coelho! Ei, António Costa! Levantam, por um momento, os olhos da papelada e observem o fenómeno que se mostra às vossas janelas. Porra! Já passou; ei-lo que sobrevoa os céus sobre Vila Franca de Xira, ajustando a visão de raios-X às chaminés que vomitam os seus fumos cinzentos no azul. Registou e continua, não tem tempo a perder, o seu rumo é determinado por um único fito: Portugal à Frente! Vai, a caminho do norte inclemente, restituir a confiança, abalada naquele canto do país pelas consequências de acontecimentos funestos, porém reparáveis.
Há dias, um perigoso surto de botulismo (uma doença neurológica, prima agravada do Botox, e gerada por conservas mal produzidas) afectou as alheiras de Mirandela, pôs uma meia-dúzia de portugueses entre a vida-e-a-morte e, sobretudo, abalou a confiança naquele produto regional certificado (verifique sempre o brinco de chumbo que atesta a origem), um ex-libris da zona e do país. Não, a coisa não podia ficar assim e ver aquelas quebras de 80 % nas vendas era de partir o coração, sobretudo com um ministro da Economia demissionário, ou quase. Era preciso agir. Murmurou entredentes Portugal à Frente/Recuperar a Confiança! e dizendo à secretária “vou sair em serviço”, mas sem precisar o destino, desceu à cabine telefónica na qual costuma fazer a  mudança de traje e onde guarda as Super-capas. Esta manhã escolheu a de Provador Oficial e aí vai ele, esticando o braço e fechando o punho, para ganhar impulso na descolagem, e já fazendo uma graciosa curva em seta no céu alaranjado da enclítica manhã: é que tem de estar no Palácio dos Távoras ao meio-dia-e-meia, foi essa a hora combinada, para degustar a Simbólica Alheira perante as câmaras, as Municipais e as Outras.
Um jornalista, infeliz na alegoria, comparou o feito à iniciativa anterior de um ministro da Agricultura, que ingerira uma perigosa mioleira em tempo de vacas-loucas. O Provador Oficial não gostou da comparação: “esse risco não era zero, mas o da alheira é nulo.” Nada como a segurança de um risco nulo para se ser herói sem perigo, mas, arriscaríamos inferir que, face a tal coragem e temperamento – ao contrário do obscuro e esquecido ministro – o nosso Super-Heroi poderia também, sem a surpresa de mudança, ter ingerido sem perigo a tal mioleira assanhada. São os desta fibra que se vão do decreto-lei da morte libertando.  
E enquanto nos perdemos aqui em considerações palavrosas, estéreis  e supérfluas, eis que já se fita o céu em Trás-os-Montes, já se apertam os botões dos casacos e se endireitam as gravatas: é ele que chega a tornar a alheira saudável.

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