10 março 2021

AGORA EU ASSUMIA RESPONSABILIDADES

                            Fonte: Constantino Caetano/Departamento de Epidemiologia do Instituto
                                          Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, 2021.

                              
De modo engenhosamente animado, a imagem condensa o comportamento da epidemia de Covid19 em Portugal desde Setembro de 2020 até aos primeiros dias de Março de 2021. O pontinho negro que dança no ecrã tem a propulsioná-lo dois indicadores importantes no tomar do pulso a uma epidemia: o número de novos casos de doença (incidência) e a velocidade com que o contágio progride (o tal R). Neste contexto, as coisas não estão assim tão mal quando o pontinho anda pela metade inferior da imagem, sobretudo se anda pelos baixios do lado esquerdo. Se se aproxima do lado superior da metade direita da imagem, isso quer dizer que as coisas vão muito mal.

Agora repare no que sucedeu por altura do Natal: quando os nossos governantes decidiram dar ao povo a benesse de abertura para as Festas, o pontinho negro já acusava uma tendência de crescimento da epidemia, ou seja: estavam envenenadas as frutas-secas do bolo-rei que nos estendiam e foi de grande irresponsabilidade essa bondade. Mais: ninguém, lá no alto, onde planam as águias, podia dizer que não estava tecnicamente avisado, e a história da variante inglesa foi (e é) desculpa para inglês ver. Essa abertura natalícia inundou o país de visitantes vindos do Reino Unido, fossem turistas ou compatriotas saudosos, e a variante chegou-nos por causa da abertura, não foi algo que a precedeu! O nervosismo crescente e rápido, quase angustiado, do pontinho negro ilustra bem a desgraça daí decorrente, e a que todos assistimos, ao longo de Janeiro e Fevereiro de 2021.

 

     Fonte: World Meter, 10 Março 2021.

Já o Quadro aqui por cima expõe algo tão estático como são as cruzes dos cemitérios. A imagem mostra os dez países do mundo onde, desde o começo da pandemia, se tem morrido mais por Covid19. Portugal está num honroso 10.º lugar a nível mundial, bem à frente de outras áreas de má-fama, por este motivo, como os Estados Unidos, o Brasil ou a Espanha, outrora considerada, juntamente com a Itália (agora de braço dado connosco), a nódoa negra europeia. Mas a justeza deste 10.º lugar pode ainda ser refinada, e para pior: repare-se que quer Gibraltar (1.º lugar) quer S. Marino (2.º lugar) têm pouco mais do que 33 mil habitantes, isto é, a população de um concelho médio português. Algo de semelhante acontece com o Montenegro (7.º lugar), que tem uma população similar à da cidade do Porto, e a Eslovénia (5.º lugar), com os seus 2 milhões de habitantes terá, grosso modo, a população da Zona Centro do país. Repesco todos estes exemplos para sublinhar que são populações de pequena dimensão, o que torna a robustez do cálculo da taxa de morte por milhão de habitante pouco sólida e ilustrativa. Se puséssemos de lado esta insegurança e usássemos nas comparações apenas países com uma dimensão populacional igual ou superior à nossa, Portugal saltaria para o 6.º lugar no ranking mundial do maior número de fatalidades por Covid19. 

Ora isto que, apesar da cosmética e do "aguenta-me esse papel na gaveta", se pode ver cá de dentro, vê-se seguramente (e até com maior nitidez) de fora do país, o que explica o cuidado com que os viajantes provenientes de Portugal são recebidos por países como a Inglaterra e a Alemanha, o que sempre arrasta o ministro dos Estrangeiros a veementes protestos e afirmações de desproporcionalidade. O homem tem razão, coitado: então nós deixamos entrar toda a gente, com variante ou sem ela, e eles em retorno... 

O panorama dos últimos dois meses, que só agora começa a atenuar-se, de tão mau e impossível de negar, levou a uma nova moda na política, que consiste em os responsáveis assumirem responsabilidades. Todos, do Primeiro-ministro à ministra da Saúde, se apressam a assumir a responsabilidade. Se isso se traduz em saltar de um quinto-andar, em oferecer uma coroa de flores à família de cada um dos milhares de mortos que o poderiam não estar, ou, simplesmente, em apresentar a demissão, é coisa que nunca nos dizem. 

Neste contexto observacional, muito ilustrativo foi ver Marta Temido apressar-se a assumir os tais erros e responsabilidades, mas logo de seguida - quando a entrevistadora, tentando concretizar um deles, lhe apontou o caos na saúde - a tornar-se muito ofendida, negando esse caos e substituindo-o por um "vivemos uma situação muito complexa". Querida senhora, o caos é, quase sempre, de uma complexidade enorme, tão desmedida que nem tempo há para pensar em contextos teóricos ou, até, para arregaçar as mangas convenientemente, o que, apesar de tudo, foi o que fizeram sem descanso aqueles que se apressaram a reconverter e reorganizar serviços e correr ao exterior das instituições a levar oxigénio aos doentes das ambulâncias que se acumulavam, à espera de vez, nos jardins dos hospitais, todos eles rezando para que não lhes faltasse o ar engarrafado, como viria a acontecer no Hospital Fernando da Fonseca.  

2 comentários:

  1. Gostaria saber Quem assume as responsabilidades quando são implementados novos modelos organizativos nas estruturas hospitalarias para rentabilizar os recursos existentes, baseados em equipas multidisciplinares e áreas covid e não covid, sem cumprir na sua totalidade as normas da D.G.S,e ainda favorescendo a fragilidade da nossa Saúde Pública.Saber quem tem a responsabilidade nas oscilações das curvas de mortalidade pelas diferentes realidades geográficas não é uma tarefa fácil de resolver.

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  2. Obrigado pelo seu comentário. No caso português, e na minha opinião, a responsabilidade de muitos dos maus passos têm sido dos políticos ou de decisões que deviam ser técnicas politizadas... Quanto ao serviços locais de SP, têm feito o que podem e às vezes mais do que podem.

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