24 março 2021

O PARAÍSO FISCAL DA EDP


Talvez você seja um daqueles que, como eu, usa a conta bancária e a internet para pagar contas. Se assim é, talvez já se tenha apercebido do pormenor, da diferença de tratamento entre privados e Estado. Quando, pela internet, se vai a pagar uma qualquer conta (seja água, telefone ou outra) e por modesta que seja a quantia, o computador, antes de dar a transacção por concluída, pede que confirmemos os valores de várias formas, sendo uma delas o preencher de três números, interpretados num pequeno mapa de referências que o seu banco lhe forneceu, e outra a de inserir um código, que lhe é enviado através de um SMS para o telemóvel. Não poucas vezes, para nossa segurança, somos obrigados a uma combinação dos dois procedimentos.

Tente agora, pelo mesmo meio, fazer um pagamento ao Estado, seja o IRS, o IMI, ou o imposto sobre veículos. Mal se insere o valor a pagar e se clica no rato a transação fica concluída, sem códigos, senhas ou outras maçadas e quase se ouvem as mandíbulas do fisco a entrechocar-se, como quando se atira um pedaço de bife a um cão e este o apanha em pleno voo! Ou seja: connosco, o Estado não está cá com preâmbulos, hesitações éticas, valsas ou tangos, para passar o dinheiro para o lado deles!

Mas isto somente no caso de você ser um reles e banal contribuinte, claro, pois se for uma empresa ou uma entidade com pergaminhos, como a TAP ou a EDP, o critério já se adelgaça, flexibiliza, excepcionaliza, e poderá furtar-se com facilidade, por exemplo, a pagar um imposto de 110 milhões de euros. Foi o que, através de uma gentileza do Bloco de Esquerda, ficámos a saber que sucedeu recentemente com a EDP, que decidiu vender 6 barragens portuguesas aos franceses. Como dizia um amigo meu "eu nem sabia que se podiam vender barragens, quanto mais assim, como pipocas". Pois é, estamos ambos ultrapassados. Não só se pode, como se pode ainda escapar a pagar o imposto devido ao Estado pela venda. Como?!, quererá você saber, já a pensar se poderia fazer o mesmo... É simples: constitui uma empresa-fantasma dois dias antes, declara que está a proceder a uma restruturação da empresa (EDP), passa todos os activos para a nova empresa e isso iliba-o, em nome do progresso e do empreendedorismo, de pagar uma série de impostos, mesmo que essa empresa-fantasma só tenha um funcionário e feche portas mal o negócio for encerrado. Mas isso é uma vigarice, dirá, dirão os transmontanos que ficaram a arder nos tais 110 milhões de imposto que, a ser cobrados, seriam para bem da sua região. Que não, que é perfeitamente aceitável, vem dizer o Ministro do Ambiente, naquele seu tom pausado de batráquio barítono e a quem Rui Rio, acertadamente, apontou parecer ele um advogado de defesa da EDP. E a EDP, senhor ministro, olhe que não precisa de quem a defenda: poderá ainda aguentar mais alguns consultores, mas, advogados, tem do mais finório que anda por aí. Apesar do recente afastamento/arrefecimento do Mexia e do Manso Neto (tipo a quem, só de espreitar pelo olho-de-peixe, não abriria a porta de casa para que me fosse contar a luz), apesar disso, eles ainda lá mantêm malandros suficientes para lhe olear as curvas; esses dois deixaram escola na casa. 

Quem rapidamente cheirou o perigo de água no assunto das barragens, foi o nosso Costa, que logo chutou a bola para canto com o argumento de que o fisco teria de ter dado conta de uma manigância daquele calibre! Quase vi a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que jantaria tranquilamente em frente à TV, a engasgar-se com a sopa ao ouvir aquilo, assim, do nada, sem aviso e em horário nobre:  já não pode um alto-funcionário vestir o roupão, calçar as pantufas e ter um momento de paz! Ora, uma destas! Então não era suposto que pudesse ser assim? Não era admitido por todos, segundo os códices implícitos e nunca escritos, que a EDP se classificava como uma daquelas entidades que possui um Visto Gold anti-dores-de-cabeça?

Agora, após o toque do primeiro-ministro, vem-nos o Matos Fernandes confirmar que o assunto é assunto da autoridade tributária e não do Governo e, como sempre acontece, esta iniciou um rigoroso inquérito, enquanto vários juristas engravatados nos vêm dizer, via Skype, que talvez não tenha sido ilegal de todo o que se fez... Enfim, o costume quando uma grande vigarice é trazida à tona. Para já, a enguia continua a estrebuchar e a escorregar-lhe das mãos perante os olhos atentos da opinião pública, pois não lhe conseguiram deitar ainda a suficiente terra por cima. 

Compreensivelmente ofendido com tudo isto e com o modo como tem sido tratado, o suposto e alegado arguido Manso Neto fez saber publicamente que abandona a EDP, de vez, e vai mudar de patrão. Um pequeno passo para ele e uma grande notícia para a EDP ou, como preferiria dizer Marta Temido, um assunto de "grande complexidade".

 

 

 

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