Agora repare no que sucedeu por altura do Natal: quando os nossos governantes decidiram dar ao povo a benesse de abertura para as Festas, o pontinho negro já acusava uma tendência de crescimento da epidemia, ou seja: estavam envenenadas as frutas-secas do bolo-rei que nos estendiam e foi de grande irresponsabilidade essa bondade. Mais: ninguém, lá no alto, onde planam as águias, podia dizer que não estava tecnicamente avisado, e a história da variante inglesa foi (e é) desculpa para inglês ver. Essa abertura natalícia inundou o país de visitantes vindos do Reino Unido, fossem turistas ou compatriotas saudosos, e a variante chegou-nos por causa da abertura, não foi algo que a precedeu! O nervosismo crescente e rápido, quase angustiado, do pontinho negro ilustra bem a desgraça daí decorrente, e a que todos assistimos, ao longo de Janeiro e Fevereiro de 2021.
Já o Quadro aqui por cima expõe algo tão estático como são as cruzes dos cemitérios. A imagem mostra os dez países do mundo onde, desde o começo da pandemia, se tem morrido mais por Covid19. Portugal está num honroso 10.º lugar a nível mundial, bem à frente de outras áreas de má-fama, por este motivo, como os Estados Unidos, o Brasil ou a Espanha, outrora considerada, juntamente com a Itália (agora de braço dado connosco), a nódoa negra europeia. Mas a justeza deste 10.º lugar pode ainda ser refinada, e para pior: repare-se que quer Gibraltar (1.º lugar) quer S. Marino (2.º lugar) têm pouco mais do que 33 mil habitantes, isto é, a população de um concelho médio português. Algo de semelhante acontece com o Montenegro (7.º lugar), que tem uma população similar à da cidade do Porto, e a Eslovénia (5.º lugar), com os seus 2 milhões de habitantes terá, grosso modo, a população da Zona Centro do país. Repesco todos estes exemplos para sublinhar que são populações de pequena dimensão, o que torna a robustez do cálculo da taxa de morte por milhão de habitante pouco sólida e ilustrativa. Se puséssemos de lado esta insegurança e usássemos nas comparações apenas países com uma dimensão populacional igual ou superior à nossa, Portugal saltaria para o 6.º lugar no ranking mundial do maior número de fatalidades por Covid19.
Ora isto que, apesar da cosmética e do "aguenta-me esse papel na gaveta", se pode ver cá de dentro, vê-se seguramente (e até com maior nitidez) de fora do país, o que explica o cuidado com que os viajantes provenientes de Portugal são recebidos por países como a Inglaterra e a Alemanha, o que sempre arrasta o ministro dos Estrangeiros a veementes protestos e afirmações de desproporcionalidade. O homem tem razão, coitado: então nós deixamos entrar toda a gente, com variante ou sem ela, e eles em retorno...
O panorama dos últimos dois meses, que só agora começa a atenuar-se, de tão mau e impossível de negar, levou a uma nova moda na política, que consiste em os responsáveis assumirem responsabilidades. Todos, do Primeiro-ministro à ministra da Saúde, se apressam a assumir a responsabilidade. Se isso se traduz em saltar de um quinto-andar, em oferecer uma coroa de flores à família de cada um dos milhares de mortos que o poderiam não estar, ou, simplesmente, em apresentar a demissão, é coisa que nunca nos dizem.
Neste contexto observacional, muito ilustrativo foi ver Marta Temido apressar-se a assumir os tais erros e responsabilidades, mas logo de seguida - quando a entrevistadora, tentando concretizar um deles, lhe apontou o caos na saúde - a tornar-se muito ofendida, negando esse caos e substituindo-o por um "vivemos uma situação muito complexa". Querida senhora, o caos é, quase sempre, de uma complexidade enorme, tão desmedida que nem tempo há para pensar em contextos teóricos ou, até, para arregaçar as mangas convenientemente, o que, apesar de tudo, foi o que fizeram sem descanso aqueles que se apressaram a reconverter e reorganizar serviços e correr ao exterior das instituições a levar oxigénio aos doentes das ambulâncias que se acumulavam, à espera de vez, nos jardins dos hospitais, todos eles rezando para que não lhes faltasse o ar engarrafado, como viria a acontecer no Hospital Fernando da Fonseca.
Gostaria saber Quem assume as responsabilidades quando são implementados novos modelos organizativos nas estruturas hospitalarias para rentabilizar os recursos existentes, baseados em equipas multidisciplinares e áreas covid e não covid, sem cumprir na sua totalidade as normas da D.G.S,e ainda favorescendo a fragilidade da nossa Saúde Pública.Saber quem tem a responsabilidade nas oscilações das curvas de mortalidade pelas diferentes realidades geográficas não é uma tarefa fácil de resolver.
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário. No caso português, e na minha opinião, a responsabilidade de muitos dos maus passos têm sido dos políticos ou de decisões que deviam ser técnicas politizadas... Quanto ao serviços locais de SP, têm feito o que podem e às vezes mais do que podem.
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