01 março 2014

LÁ EM CASA

Vi há pouco um anúncio na TV sobre um creme hidratante pós-duche que consistia numa jovem mulher, loura e com o aspecto geral de pão acabado de cozer, a sair de uma gaiola transparente onde acabara de tomar um banho, a passar o tal creme por um corpo sabiamente revelado e escondido para poder ser visto em horário nobre e logo, sem transição, a passar um batom pelos ressumantes lábios e a estender sobre as unhas uma pincelada perfeita de verniz.
Calculo que, lá em casa, todas as espectadoras sentadas no sofá estejam nesse momento a pensar em comprar e experimentar o tal creme logo no dia seguinte e que todos os homens sentados no sofá se estejam a imaginar na fronteira da porta entreaberta de um quarto de banho, imiscuindo-se, numa voz progressivamente enrouquecida e fanada, em prudentes diminutivos: “posso ficar a ver um pouquinho?”, “posso entrar para o teu duche um instantinho?”; “posso ensaboar-te um pedacinho?”, “posso meter um bocadinho...?”
Sim, é possível que esteja a generalizar de forma abusiva e que, lá em casa, uma telespectadora esteja a dizer “já experimentei e não gosto nada da fragrância...” ou que um telespectador distraído esteja a sacudir migalhas de batatas fritas da camisola; admito mesmo que, lá em casa, um outro tenha já adormecido no sofá com um telecomando hirto na mão.

2 comentários:

  1. Só pode ser solidão!
    Mas nada de desesperos, há mais um dinossauro na Lourinhã!

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  2. @ Anónimo, chama-lhe o que quiseres e continua a ler o Público!

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