Alain Tanner, um realizador suíço votado
ao sucesso nos anos 70, estreou em 1983 uma história filmada em Lisboa a que entendeu
dar o título de A Cidade Branca.
Lembro de, na altura, ter ficado um tanto chocado com a escolha da cor, pois
Lisboa é cidade de amarelos e rosas – nada tem de branco! Depois, com o passar
do tempo absolvi o homem: para quem chegava de onde ele vinha, paragens
cinzentas com claridades mortiças, é natural que Lisboa, com a sua luz
generosa, pareça branca...
Em Portugal, Faro, sim, essa é que era
a cidade branca, os copos verdes em cima do frigorífico.
Para um tipo que pouco mais vira do
que cidades do norte, chegar a Faro pela primeira vez foi como ter atravessado
o estreito mar sem se dar conta e acordar numa localidade da África árabe:
Marrocos, Tunísia, Argélia, eu sei lá. O Alentejo, esse, era percorrido numa pressa
de deixar as planuras chamuscada por Agosto e chegar à borda de água do litoral
algarvio. Quem iria, derretido no banco de trás de um automóvel sem ar
condicionado, reparar nas tonalidades de Grândola ou Mértola? A sul, a sul, que
na rua Conselheiro Bivar o apartamento já esperava por nós, as chaves prontas
para entrega no escritório do Sr. Fagulha.
Às vezes, para evitar atravessar o
Alentejo às horas de maior torreira, saíamos do Porto à noite, de modo a chegar
ao Algarve às primeiras horas da manhã, a tempo de tomar um pequeno almoço desentorpecente
na serra do Caldeirão, por entre o odor da esteva o pão de centeio acabado de
fatiar.
Em Faro, durante o dia, as portas abriam-se
para a cal incendiada, impiedosa como um cautério, os nossos olhos cerrados
como frecheiras; mesmo à noite a superfície macia dos edifícios parecia
reflectir, agora na textura doce de pétalas de jasmim, a brancura caiada da
cidade, debruada pelas escamas reptilíneas dos telhados.
Os apartamentos Garantia tinham o
recheio parcimonioso, contado, dos apartamentos mobilados e a meia-dúzia de
copos de vidro grosso verde-garrafa esperava, militarmente alinhada, em cima do frigorífico – beber
era uma coisa que devia estar à mão.
© Fotografia de Pedro Serrano, Faro 2013.
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