27 julho 2015

24 julho 2015

ENTRETANTO EM CABO VERDE: OPERAÇÃO TORTILHA

Sentei-me na esplanada do Morabeza era já perto da hora do almoço, embora  estivesse ali a matar saudades usando como pretexto um pequeno-almoço tardio. Numa mesa à minha esquerda estava encaixado um tipo enorme, de óculos escuros à mosca, envergando uma t-shirt de padrão camuflado. Nervoso, batia sem cessar com uma garrafa de água de plástico vazia na borda da mesa, perturbando um pouco a morabeza envolvente.
Chegou o meu sumo de ananás com hortelã e chegou um colega do artista da garrafa tamborilante: este era igualmente enorme, musculado como um vigilante das noites do Porto; vestindo roupa caqui, óculos escuros na testa, ar desconfiado e tenso. E mais preocupado ficou quando a moça que servia às mesas – uma brincalhona de boininha verde-pistáquio e polo cor-de-rosa flamingo, lhe ralhou brejeiramente: “Então isto hoje são horas de chegar! Daqui a pouco já não te dava almoço...” E ele a levar o responso a sério, justificando-se muito, pousando os dossiers que sobraçava numa cadeira vaga.
Formadores portugueses de pessoal militar, concluí numa mirada preguiçosa, pois há um quartel ali por perto, com uma magnífica vista sobre o mar – eu e o Paulo andámos por lá numa tarde sonolenta a coscuvilhar o interior com a pachorrenta cumplicidade dos responsáveis de serviço – devem vir aqui almoçar todos os dias. Com aquele ar de rambos e aquela rotina alimenatar não era preciso pensar muito para chegar a essa conclusão, aliás estava demasiado calor para pensar.
Ao mesmo tempo que o segundo Rambo fez a sua entrada, chegou uma dupla constituída por uma mãe e sua encantadora filha, uma donzela de suprema graça e de fazer torcer pescoços na sua t-shirt negra cabeada, na saia comprida de piedpul em xadrezinho cinzento e preto. Sentaram-se mesmo em frente a mim e tirei a máquina fotográfica do estojo para  obter uma foto discreta. Tento sempre que as  fotografias sejam tiradas de modo não ostensivo, imperceptível se possível, embora, em certas ocasiões, os visados se apercebam da minha curiosidade. Às vezes isso fica a notar-se na imagem final pelo olhar directo para a objectiva com que são imortalizados. Quase sempre não se importam, as mulheres fazem até amiúde um sorriso contente ou malandro dirigido ao vácuo. Saem geralmente muito boas essas fotos em que é captado o visado a fazer luzir um olhar de entendimento e de cooperação, involuntária e instantânea, com o fotógrafo.
Desliguei a máquina; já tinha obtido as minhas fotos, e a tosta mista chegara. Estava a trincá-la em sossego quando o segundo Rambo, que até aí estivera entretido, de garfo empunhado na vertical, a despedaçar umas coxas de frango, se levantou, chegou à minha beira e, sem preâmbulo, prólogo ou introdução, declarou:
“Não quero que o senhor me tire fotografias...”
“Escusa de se afligir, você é um bocado feio para o meu gosto...”
Ficou desconcertado com a reposta, suponho que estaria mais à espera de uma réplica salpicada de “deu entrada já cadáver”, “o alegado indivíduo”, “quando os nossos homens chegaram ao local” e outras das pérolas que integram o léxico de polícias e bombeiros. Mas continuou numa arenga amuada de que vira a máquina assestada à mesa dele, a objectiva ora aberta ora fechada...
“Ouça,” tentei chamá-lo à realidade, “não estava a focar a sua mesa, não há nada na sua mesa que me interesse; estava a tentar fotografar um pouco mais à direita...”, respondi, a ver se o tipo olhava em volta e percebia que havia coisas mais interessantes na paisagem do que tipos a fazer de agentes secretos.
Nada, não valeu a pena, Rambo2 continuou naquela de “só quero que não me tire fotografias, ok?” e, como um guarda-fatos ambulante, lá regressou à mesa de onde continuou a desferir olhares de atenta desconfiança até ao momento em que chamei Miss Pistáquio, paguei a conta e me fui, desejando “bom proveito” ao passar pela mesa deles a caminho do Pão Quente, onde o café é melhor e não havia objectivos militares à vista.

© Fotografias de Pedro Serrano, Praia, Cabo Verde, Julho 2015. 

21 julho 2015

KRYFO LIMANI (Porto Secreto)

Estou sentado na mesa ao fundo do corredor de entrada, sob uma parreira de uvas dedos-de-dama que ainda não pintaram. Daqui vejo perfeitamente quem se aventura pelo passadiço aberto e espreita a zona de refeições, toda ela esplanada descoberta, metade sob um limoeiro, o resto sob latadas de videiras. E tenho pena de quem recua, de quem, por qualquer motivo, pensa que o melhor é ir procurar outro sítio para jantar; apetece-me dizer-lhes: “Ei, não façam isso, estão no melhor local para se comer em Hydra.”
Suponho que parte dos que desistem o fazem por andarem à procura de pizzas ou hambúrgueres, talvez comida gourmet ou sushi com queijo Philadelphia... E isso, definitivamente, não encontram aqui, Deus Seja Louvado. Talvez que o outro resto dos que fogem se assustem com o kitsch do local, com as carapaças de lagosta que parecem trepar os muros, com as metades de cavalo que saem pelas paredes, as cabaças pintadas de cores berrantes enforcadas na estrutura de ferro que suporta as videiras...

Mas a placa que se encontra pendurada à porta não engana ninguém, o restaurante classifica-se a si próprio de TAVERNA, a palavra grega é, aliás, literalmente clara para um português ou para um espanhol. O Kryfo Limani não pretende ser outra coisa, em Portugal seria descrito como “aquela tasquinha onde se come tão bem”. Tudo quanto se possa pedir da ementa – e nas minhas várias idas a Hydra comi lá vezes suficientes para a ter experimentado – vem excelente, por exótico que possa parecer ao chegar à mesa. Tudo! Sabem, aquele tipo de pratos muito simples, mas em que o produto base é excelente e a confecção é minimalista? Nada de riscos de chocolate fundido ou de groselha a enfeitar o fundo do prato ou de crostas de broa a ensanduichar um bacalhau reduzido a 62.º graus centígrados em azeite tão virgem como a mãe do chef.
Ao correr da água na boca deixo por aqui algumas sugestões: peça-se, como entrada, tzatziki, um iogurte natural, branco e grosso, batido com raspas de pepino e alho, que vem fresco e é o que aquele pão posto na mesa está a pedir para ser barrado com..., enquanto aguarda que chegue a fava, um puré de lentilhas coroado com gomos de cebola crua – cebola nas antípodas do raivoso, quase doce – e acompanhado por limão, o qual espera apenas ser espremido sobre todo aquele conjunto. Oh! delícia das delícias, que, no seu amarelo quente, empurra o nosso anémico puré de batata para o esquecimento. O nome Gigantes deu-lhe no goto pela similitude com a palavra portuguesa e mandou vir, mesmo sem saber o que é? Pois fez bem: será presenteado com um estufado de tenros feijões de tamanho gigantesco, aquilo que por cá chamamos feijocas. Eu, olhe, resolvi antes pedir salada de polvo como entrada, aquele molho calha bem com o pão da minha cesta, onde também chegam acomodados os talheres e o guardanapo de papel. Ontem, como prato principal, comi as almôndegas de borrego em molho de tomate,
acompanhadas de batatas fritas caseiras, a estourar de douradas; hoje resolvi experimentar o ragout do mesmo bicho, acompanhado com courgettes e cenouras estufadas, tudo afogado em molho de limão e ovo. A travessa tem um ar duvidoso, mas que sabor e como aquele borrego se deixa desfiar sob o garfo... Já não consigo meter um dedo na boca e peço a conta, mas sou um cliente tão fiel que insistem em me brindar com um creme queimado cuja base é um doce de limão com raspas da casca incorporadas. Como posso negar quando é on the house?
Jiboio, serpenteio o olhar pelos comensais das outras mesas e toda a gente me parece possuída por um sentimento em torno da comida que lhe coube e que muitos deles – estrangeiros como eu – não sabiam muito bem em que consistiria. Vejo, então, surgir ao fundo do corredor um casal jovem. Ela fica-se à entrada, ele penetra por ali dentro, detém-se nas águas territoriais da minha mesa, o sítio ideal para uma perspectiva global do território. Percebo que não apreciou o aspecto geral e eis que, antes de recuar, se vira para trás e diz num português bem claro e num volume só usado por quem tem a certeza que ninguém irá compreender o idioma:
“Vamos procurar outro sítio...”   
“Não faça isso!”, dou por mim a dizer no mesmo volume, “está prestes a poder comer no melhor restaurante de Hydra...”
E eis que, refeita a surpresa, celebrada a satisfação do encontro, resolvem seguir o meu conselho e não só ficam a jantar como registam algumas das minhas dicas gastronómicas.
“Hum, puré de lentilhas...”, diz ela, olhos brilhantes, num sotaque lisboeta, “adoro lentilhas...”
E lá se vão ao repasto para uma ilha sob o limoeiro.
Paguei a minha despesa, despedi-me dos empregados, e antes de me ir à vida passei pela mesa dos meus compatriotas a ver que tal. No momento, atacavam com furor o pão e uma colorida salada mista de tomate, pepino e cebola; num vai e vem imparável passeiam um já viciado garfo pelo puré de lentilhas.
“Então, que tal?”, pergunto.
Tem a boca cheia, coitados, pouco mais podem fazer do que abanar com as cabeças, deixar escapar uns “humms”.
“Agora estamos à espera das almôndegas, da salada de polvo e da moussaka...” 
Despeço-me com simpatia, votos de boa continuação e um feliz regresso à pátria. Acho que pediram comida a mais, mas isso caberá a eles descobrir quando tiverem de trepar os degraus de volta ao hostel onde estão alojados. 
  
© Fotografias de Pedro Serrano, Hydra, Grécia, Julho 2015.

17 julho 2015

PETER'S COLLECTION

1. Peter's collection.

2. Peter's collection - the come back.
3. O pensador.
4. Polícia marítima (dizem que uma delas chegou à ilha transportada numa concha).
5. Big Belly.
© Fotografias de Pedro Serrano, Hydra (Grécia), 2015.

15 julho 2015

VOU-TE CONTAR: 70. APRENDENDO O ABC

Meio século depois ainda me interrogo por que raio chamaríamos nós caramileiro ao homem? Seria por causa da bata branca que sempre usava? Nesses anos 60 de que falo havia à porta das escolas e dos liceus uns carrinhos de madeira que vendiam chupa-chupas e outras guloseimas cujo denominador comum eram as cores fortes (vermelho strawberry-fields-forever; verde-papagaio; amarelo goodbye-yellow-brick-road) e a uniformidade minimalista da composição: açúcar e corantes. Minto, alguns deles, uns em forma de guarda-chuva gordinho, eram revestidos de hóstia, a primeira coisa a derreter-se quando, pensativamente, os rodávamos dentro da boca. Divago: frequentemente os vendedores desses carrinhos usavam uma bata para se distinguir, às vezes azul outras vezes branca. Seria por isso que chamávamos caramileiro ao homem? É claro que esta alcunha, embora do domínio universal, não podia ser pronunciada em voz alta, sob grande risco de reguadas, que o caramileiro tinha um feitio algo emotivo. Quando nos lhe dirigíamos era pelo seu verdadeiro nome, isto é: Sr. Araújo, que todos nós, em afinada imitação, pronunciávamos como Seraújo.
Tudo isto se passou numa zona do Porto conhecida como Amial e, nesses dias, eu morava na Rua Nova do Tronco, uma rua que me parecia a uns 200 km do Bairro da Azenha, onde ficava a escola. Essa distância mítica (a real percorre-se, a pé, em dez minutos) resulta possivelmente de este trajecto casa-escola ter representado o meu primeiro contacto com o mundo exterior, longe das saias da minha mãe e dos muros da minha casa na Rua dos Padres Capuchinhos, como era popularmente conhecida.
Rapidamente me viciei naquela liberdade, nas infinitas possibilidades do trajecto: não é que a gente podia chegar à escola virando na Rua do Amial e subindo a rua da Azenha, mas regressar dela descendo a Rua da Ribeira Grande até à Rua do Amial?! (Demorei também quase meio século a dar-me conta da pressuposta abundância em água do ambiente em que morava: azenha, amial, ribeira grande, arca de água...).
Ao cimo da rua da Azenha, escassos metros antes de se virar para a rua que nos fazia desaguar na escola, havia uma mercearia onde, usando a  semanada ou as moedas surripiadas de sobre as cómodas, comprava todas as caixas de chicletes Adams que conseguia; caixas das pequenas, quero eu dizer, daquelas que traziam apenas dois encantadores quadradinhos cor de neve, polidos e reluzentes como os dentes da frente da Adelina, a minha primeira paixão antes dos onze anos. É que havia duas modalidades de caixas à venda: uma delas – tipo familiar, suponho – continha uma dúzia de chicletes, um empreendimento que não estava ao alcance de qualquer bolsa! Mas as pequeninas desempenhavam bem o seu papel de me fazer sentir rico pela quantidade chocalhante com que me enfunava os bolsos, riqueza que usava quer para uso próprio quer como suborno para vários tipos de favores, como o de conseguir que alguém me mostrasse as cartas com mulheres nuas nas costas das espadas e das damas do baralho, ou me fizesse os deveres do dia seguinte, que eu, andando a escavar um subterrâneo no quintal de casa, tinha mais o que fazer.
Ah, mas o caramileiro, para além de ter olhos nas costas, parece que detinha poderes extrassensoriais! Ficou rubro de raiva quando descobriu que fora o Alvarinho a alinhavar os números da minha tabuada e ainda mais vermelho-apoplexia quando descobriu o meu ritual de trabalho à base de chicletes. Avisou logo que o meu pai ia ser convocado à escola para ser posto a par da bela peça que era o filho, mas, antes, para eu ir reflectindo no assunto, chamou-me lá à frente, perto da sua secretária, e mandou-me estender a mão. Apresentei a direita, pois sou canhoto, e não desconhecia, de experiências anteriores, como ia ficar a palma da mão: vermelha, quente, anestesiada e imprópria durante uma boa meia-hora. Mesmo sem se dar ao incómodo de se levantar, o Seraújo aplicou-me então uma boa dezena de reguadas, que o crime era grande, emitindo durante o processo uns pequenos silvos de esforço e satisfação (não inferiores aos que emite, nos dias de hoje, a tenista Maria Sharapova), para gáudio de todos os outros rapazes da sala, felizes pelo entretenimento e por não ser esta a vez deles.
Calculo que alguns dos que me leem, formatados já por estes tempos de
metodologias de educação pacifistas, estejam horrorizados com a violência infantil que descrevo. Nada disso, caros leitores, tudo aquilo era justo e merecido e nenhum de nós o sentia de outro modo: nunca o caramileiro me deu mais do que eu necessitava e nunca o fez por motivos outros que não fossem os da minha irrepreensível educação. Tal como todos os outros que passaram pelas suas mãos junto-me ao reconhecimento público de que era um bom professor e nos deixou bem preparados para o que vinha a seguir.
Na continuação do canto à letra A – a que este texto parece estar condenado: Adams, Amial, Azenha – deixem-me, antes de regressar ao presente, que diga algumas palavras sobre nomes que invoquei em linhas anteriores: Álvaro e Adelina.
O Álvaro era meu vizinho de carteira e todos o tratávamos por Alvarinho ou Varinho. A esta última variação não achava ele grande graça, pois vinha geralmente associada a uma cantilena de rima perfeita com que, em grupo e nas nossas vozes de anjo, o assediávamos. Rezava assim:
          Varinho coqueiro, Varinho totó
          Arrebita o cu e faz cocó.

Quanto à Adelina, que poderei dizer que faça justiça à luz com que iluminou os meus dias na quarta-classe? Como que caída do Céu, apareceu de repente na metade da escola onde andavam as meninas e, mal a vi pela cerca à hora do recreio, fiquei fascinado pelo seu cabelo liso e castanho, pelos grandes olhos a condizer, pelos faiscantes dentes da frente. Tinha chegado há pouco tempo ao Amial e morava numa casa moderna e sem telhado que é agora uma escola de condução. No caminho até lá, descendo a Rua da Azenha o mais devagar que conseguiam os meus pés, gastei resmas de caixinhas Adams para conseguir que, por uma brevíssima eternidade e antes de dobrarmos a esquina, me concedesse a felicidade de lhe dar a mão.    

© Fotografias, de cima para baixo: (1) Alf Sousa; (2) publicidade Adams; (3) Eduardo Serrano.

12 julho 2015

ENTRETANTO EM ATENAS... ENTRE O CÉU E A TERRA


É bom ter alguém à nossa espera na porta de saída de um aeroporto e Marilyn Marlene estava lá com o seu táxi amarelo. Coitada, chegou religiosamente a horas mas teve de esperar um bom bocado, pois a Iberia perdeu-me a mala em Madrid, talvez ma entreguem amanhã ou depois de amanhã em Hydra. Sábado à tarde as lojas estão fechadas em Atenas, tive sorte e topei com uma farmácia de serviço onde pude comprar pasta dos dentes e a respectiva escova. Como se estivesse à minha espera, o tubo de pasta tinha instruções em duas línguas: grego e português. Oh, quanto à lâmina de barbear foi só fazer o gesto de passar uma vassoura pela face num quiosque perto do To Theatron.
No To Theatron a salada de abacate, tomate e pistáquios está no seu esplendor: os tomates doces e sumarentos, o abacate macio e no ponto – desfaz-se na boca e não sob o garfo –, a cebola crocante, o mozzarella acabado de parir. É impossível tentar fazer algo igual em Portugal, por muito que se tenha coscuvilhado os ingredientes: falta o solo, o sol e o azul locais. O Theatron tem uma esplanada do outro lado do passeio, um espaço apenas coberto por um breve telhado, as paredes abertas dos dois lados para deixar deslizar o fresco. As potentes ventoinhas rodam sem parar e tem acoplado um sistema que sopra vapor de água gelado sobre os clientes, um melhoramento em busca do bem-estar absoluto; sento-me por perto.
Na mesa ao lado, um casal de alemães que passaram o jantar sem trocar uma palavra entre si, confere minuciosamente a conta, um total que (tendo em conta o que comeram e os preços praticados) não deve ultrapassar os 22 euros para os dois. Depois, com modos severos, chamam a empregada – uma morena despistada, gentil e com um ar de quem pede colo ao mundo – e exigem factura com NIF, que eles, apesar de em férias, não vão perder a oportunidade cívica de ensinar aos gregos como se trilha o caminho correcto para a resolução da dívida e o evitar do 4.º resgate. Depois levantam-se e, já no limiar da saída, param e, ocultos um pelo outro, conversam em voz secreta. Foram acometidos por um ataque de má-consciência e agora ele – tapado por ela – vasculha nos bolsos e regressa à mesa que tinham ocupado a deixar uma gorjeta excessiva.
É quase meia-noite e está uma noite maravilhosa, azul-veludo, de tshirt. Regresso ao hotel perdendo-me um pouco pelas ruas silenciosas e sossegadas do Pireu (uma espécie de Leça da Palmeira de Atenas), mas nunca é grave pois mais volta menos volta dou sempre com a porta.
Contou-me a Marilyn que o Varoufakis saiu ontem por aqui – pelo porto do Pireu – para Egina, uma ilha a 27 km de Atenas, para férias. Agora que os gregos correram com o seu ministro das finanças sobre duas rodas, os alemães deviam seguir-lhe o exemplo e replicar a receita: correr com o seu autoritário ministro das finanças sobre duas rodas, o senhor Schaube, que não conseguirá nunca aprender que lá porque o país dele é muito rico isso não lhe dá todo o direito a sentir-se tão cheio entufado de razão. mais coisas entre o céu e a terra Horácio... Se ele tivesse outros pensamentos para além da máquina de calcular deveria ter-se dado conta que, apesar de apenas por um momento, os gregos fizeram-no (a ele e a toda a restante Europa) lamber o pó em que todos um dia havemos de nos transformar.
© Fotografias de Pedro Serrano, Pireus (Grécia).