É bom ter alguém à nossa espera na
porta de saída de um aeroporto e Marilyn Marlene estava lá com o seu táxi
amarelo. Coitada, chegou religiosamente a horas mas teve de esperar um bom
bocado, pois a Iberia perdeu-me a mala em Madrid, talvez ma entreguem amanhã ou
depois de amanhã em Hydra. Sábado à tarde as lojas estão fechadas em Atenas,
tive sorte e topei com uma farmácia de serviço onde pude comprar pasta dos
dentes e a respectiva escova. Como se estivesse à minha espera, o tubo de pasta
tinha instruções em duas línguas: grego e português. Oh, quanto à lâmina de
barbear foi só fazer o gesto de passar uma vassoura pela face num quiosque
perto do To Theatron.
No To
Theatron a salada de abacate, tomate e pistáquios está no seu esplendor: os
tomates doces e sumarentos, o abacate macio e no ponto – desfaz-se na boca e
não sob o garfo –, a cebola crocante, o mozzarella acabado de parir. É
impossível tentar fazer algo igual em Portugal, por muito que se tenha coscuvilhado
os ingredientes: falta o solo, o sol e o azul locais. O Theatron tem uma esplanada do outro lado do passeio, um espaço
apenas coberto por um breve telhado, as paredes abertas dos dois lados para
deixar deslizar o fresco. As potentes ventoinhas rodam sem parar e tem acoplado
um sistema que sopra vapor de água gelado sobre os clientes, um melhoramento em
busca do bem-estar absoluto; sento-me por perto.
Na mesa ao lado, um casal de alemães
que passaram o jantar sem trocar uma palavra entre si, confere minuciosamente a
conta, um total que (tendo em conta o que comeram e os preços praticados) não
deve ultrapassar os 22 euros para os dois. Depois, com modos severos, chamam a
empregada – uma morena despistada, gentil e com um ar de quem pede colo ao
mundo – e exigem factura com NIF, que eles, apesar de em férias, não vão perder
a oportunidade cívica de ensinar aos gregos como se trilha o caminho correcto
para a resolução da dívida e o evitar do 4.º resgate. Depois levantam-se e, já
no limiar da saída, param e, ocultos um pelo outro, conversam em voz secreta.
Foram acometidos por um ataque de má-consciência e agora ele – tapado por ela –
vasculha nos bolsos e regressa à mesa que tinham ocupado a deixar uma gorjeta
excessiva.
É quase meia-noite e está uma noite
maravilhosa, azul-veludo, de tshirt. Regresso ao hotel perdendo-me um pouco
pelas ruas silenciosas e sossegadas do Pireu (uma espécie de Leça da Palmeira
de Atenas), mas nunca é grave pois mais volta menos volta dou sempre com a
porta.
Contou-me a Marilyn que o Varoufakis
saiu ontem por aqui – pelo porto do Pireu – para Egina, uma ilha a 27 km de
Atenas, para férias. Agora que os gregos correram com o seu ministro das
finanças sobre duas rodas, os alemães deviam seguir-lhe o exemplo e replicar a
receita: correr com o seu autoritário ministro das finanças sobre duas rodas, o
senhor Schaube, que não conseguirá nunca aprender que lá porque o país dele é
muito rico isso não lhe dá todo o direito a sentir-se tão cheio entufado de
razão. Há mais coisas entre o céu e a terra Horácio... Se ele tivesse outros
pensamentos para além da máquina de calcular deveria ter-se dado conta que,
apesar de apenas por um momento, os gregos fizeram-no (a ele e a toda a
restante Europa) lamber o pó em que todos um dia havemos de nos transformar.
© Fotografias de Pedro Serrano, Pireus (Grécia).
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