Estou sentado na mesa ao fundo do
corredor de entrada, sob uma parreira de uvas dedos-de-dama que ainda não
pintaram. Daqui vejo perfeitamente quem se aventura pelo passadiço aberto e
espreita a zona de refeições, toda ela esplanada descoberta, metade sob um
limoeiro, o resto sob latadas de videiras. E tenho pena de quem recua, de quem,
por qualquer motivo, pensa que o melhor é ir procurar outro sítio para jantar;
apetece-me dizer-lhes: “Ei, não façam isso, estão no melhor local para se comer
em Hydra.”
Mas a placa que se encontra pendurada
à porta não engana ninguém, o restaurante classifica-se a si próprio de
TAVERNA, a palavra grega é, aliás, literalmente clara para um português ou para
um espanhol. O Kryfo Limani não pretende ser outra coisa, em Portugal seria
descrito como “aquela tasquinha onde se come tão bem”. Tudo quanto se possa
pedir da ementa – e nas minhas várias idas a Hydra comi lá vezes suficientes
para a ter experimentado – vem excelente, por exótico que possa parecer ao
chegar à mesa. Tudo! Sabem, aquele tipo de pratos muito simples, mas em que o
produto base é excelente e a confecção é minimalista? Nada de riscos de
chocolate fundido ou de groselha a enfeitar o fundo do prato ou de crostas de
broa a ensanduichar um bacalhau reduzido a 62.º graus centígrados em azeite tão
virgem como a mãe do chef.
Ao correr da água na boca deixo por
aqui algumas sugestões: peça-se, como entrada, tzatziki, um iogurte natural, branco e grosso, batido com raspas de
pepino e alho, que vem fresco e é o que aquele pão posto na mesa está a pedir
para ser barrado com..., enquanto aguarda que chegue a fava, um puré de lentilhas coroado com gomos de cebola crua – cebola
nas antípodas do raivoso, quase doce – e acompanhado por limão, o qual espera
apenas ser espremido sobre todo aquele conjunto. Oh! delícia das delícias, que,
no seu amarelo quente, empurra o nosso anémico puré de batata para o
esquecimento. O nome Gigantes deu-lhe
no goto pela similitude com a palavra portuguesa e mandou vir, mesmo sem saber
o que é? Pois fez bem: será presenteado com um estufado de tenros feijões de
tamanho gigantesco, aquilo que por cá chamamos feijocas. Eu, olhe, resolvi
antes pedir salada de polvo como entrada, aquele molho calha bem com o pão da
minha cesta, onde também chegam acomodados os talheres e o guardanapo de papel.
Ontem, como prato principal, comi as almôndegas de borrego em molho de tomate,
acompanhadas de batatas fritas caseiras, a estourar de douradas; hoje resolvi
experimentar o ragout do mesmo bicho, acompanhado com courgettes e cenouras
estufadas, tudo afogado em molho de limão e ovo. A travessa tem um ar duvidoso,
mas que sabor e como aquele borrego se deixa desfiar sob o garfo... Já não
consigo meter um dedo na boca e peço a conta, mas sou um cliente tão fiel que
insistem em me brindar com um creme queimado cuja base é um doce de limão com
raspas da casca incorporadas. Como posso negar quando é on the house?
“Não faça isso!”, dou por mim a dizer
no mesmo volume, “está prestes a poder comer no melhor restaurante de Hydra...”
E eis que, refeita a surpresa,
celebrada a satisfação do encontro, resolvem seguir o meu conselho e não só
ficam a jantar como registam algumas das minhas dicas gastronómicas.
“Hum, puré de lentilhas...”, diz ela,
olhos brilhantes, num sotaque lisboeta, “adoro lentilhas...”
E lá se vão ao repasto para uma ilha sob
o limoeiro.
Paguei a minha despesa, despedi-me dos
empregados, e antes de me ir à vida passei pela mesa dos meus compatriotas a
ver que tal. No momento, atacavam com furor o pão e uma colorida salada mista de
tomate, pepino e cebola; num vai e vem imparável passeiam um já viciado garfo pelo
puré de lentilhas.
“Então, que tal?”, pergunto.
“Agora estamos à espera das
almôndegas, da salada de polvo e da moussaka...”
Despeço-me com simpatia, votos de boa continuação e um feliz regresso à pátria. Acho que pediram comida a mais, mas isso caberá a eles descobrir quando tiverem de trepar os degraus de volta ao hostel onde estão alojados.
Despeço-me com simpatia, votos de boa continuação e um feliz regresso à pátria. Acho que pediram comida a mais, mas isso caberá a eles descobrir quando tiverem de trepar os degraus de volta ao hostel onde estão alojados.
© Fotografias de Pedro Serrano, Hydra, Grécia, Julho 2015.
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