Ontem fomos visitar a igreja de S.
Francisco, aqui em Fort Kochi, e qual não foi o meu espanto ao tropeçar no
túmulo do Vasco da Gama? Já tinha dado para perceber que o homem é uma presença
forte aqui na terra, onde se pode inclusive ver a casa onde terá morado (agora
uma hospedaria); a praça principal, em frente ao mar, tem o nome dele e existe
até um café que o trata com toda a familiaridade. Nada mau para um gajo morto
há quase quinhentos anos!
Mas, mesmo assim, dar com as barbas do
homem aos nossos pés, é uma sensação estranha. Eu jugava que o tipo estava
enterrado nos Jerónimos, e está, só que é uma sepultura em segunda-mão. Ele
morreu, naquela que era a sua terceira visita à Índia, na noite de Natal de 1524
aqui em Fort Kochi (que à época se chamava Cochim), e aqui esteve enterrado
durante catorze anos antes de ser trasladado para a vizinhança dos pastéis de
Belém. Na frescura algo sombria da nave da igreja de S. Francisco há um painel
que explica tudo isto em inglês, abrilhantado com fotografias do mosteiro dos
Jerónimos e outros instantâneos lisboetas.
Passado este tempo todo, a presença
portuguesa nesta costa do sudoeste da Índia ainda é nítida e pulverulentamente comovente:
é a carne de porco em vinha de alhos que se transmutou em carne de porco vindaloo, é o salpicão assado que agora se pede como
salpicao flambé, mas em ambos os
pratos reconhece-se vividamente o sabor original, apaladados à sombra de
telhados de desenho português a que só foram esticados os beirais para que a
sombra saia mais pestanuda neste clima tropical.
E a gente não pode impedir-se pensar como é feita de persistência e coisas simples uma presença duradoura e
de, tristemente, concluir como, desde esses tempos em que as nossas pegadas primeiro
se marcaram na memória deste país imenso e civilizado, tudo se degradou para um
Portugal ratado que vive actualmente, trémulo e de mão estendida, de olhos
postos numa Europa que já deu o que tinha a dar.
© Fotografias de: (1) Pedro Serrano; (2) A. Rodrigues; (3)(4) Pedro Serrano. Fort Kochi (Índia), Janeiro 2012.
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