Ontem, apesar das janelas fechadas,
adormeci com o barulho das ondas contras as rochas. É que o quarto dá mesmo
para o mar e como o baluarte circular da fortaleza se atreve nas águas, a maré
cheia açoita-o com a violência da intimidade.
O forte foi construído na última
década de 1500 pelos portugueses para defender esta enseada do ataque dos
piratas, o que na altura era o pão nosso de cada dia... E esta zona, no norte
de Goa, era especialmente cobiçada, pois havia aqui abastecimento, generoso e
natural, de água doce. Por isso a edificação militar foi baptizada, e ainda
hoje assim se chama, de Forte Aguada.
Estendido numa espreguiçadeira de
beira de piscina, olhando o modo como a luz do sol ao longo do dia faz cambiar
a cor da pedra em que é construída a fortaleza (de manhã, a cor escura da pedra
queimada pelo tempo, mas ao final da tarde adquire o tom avermelhado da terra
africana), não consigo deixar de pensar como deveria ser diferente o estado de
espírito dos seres que, há quinhentos anos, se moviam naquela arena onde hoje
em dia turistas posam para fotografias com o mar como recorte. Nesses dias
antigos, quem por ali penava, de atalaia ao mar por trás das fendas
quadrangulares por onde espreitavam bocas de canhão, veria em cada mancha surgida
nas águas, em cada alteração do horizonte, um perigo potencial, uma ameaça à
existência. Tudo muda, se o tempo lhe for permitido.
Li, há bocado, no The Times of India, que de manhã encontro pendurado na maçaneta da
porta do quarto, que o estado de Goa vai passar a conceder ‘vistos à chegada’,
uma comodidade face aos actuais vistos que só se podem obter, com grande
antecedência, nos consulados da Índia. Dessa medida, antiburocrática e
facilitadora do turismo, vão beneficiar vários países, entre os quais a
Ucrânia, a Espanha e o Brasil. A Inglaterra, apesar da quantidade de visitantes
dessa nacionalidade que todos os anos procuram a região, não será beneficiada
com a medida, o mesmo acontecendo com Portugal. Suponho que a exclusão terá a
ver com fracas memórias da nossa descolonização do território, que, ao
contrário da francesa e da inglesa, não foi exemplar... Já depois de toda a
gente se ter posto civilizadamente a andar de um colosso que não era seu,
Salazar insistiu em achar que Goa, Damão e Diu eram parte intocável do nosso
império além-mar. Tivemos de ser corridos, claro, e os indianos (corria o ano
de 1961, os Beatles estourariam no ano seguinte e não tardaria ao homem ir
experimentar a lua-cheia in loco)
tomaram o que lhes pertencia em pouco mais de 24 horas.
Goa, ao contrário do que a gente tem
tendência a pensar, não é uma cidade, mas antes um território onde mora milhão
e meio de pessoas. Uma das suas três principais cidades chama-se Vasco da Gama,
um senhor com quem hoje, em parede de honra do hotel, dei de caras quando, às
10:27 da manhã, descia apressadamente as escadas para tentar apanhar ainda a
porta do pequeno-almoço aberta.
© Fotografias de Pedro Serrano: Goa (Índia), Janeiro 2012.
Estou a adorar o diário de viagem
ResponderEliminarbjs
Susana