Nana. |
Gosto de filmes sobre a infância e por
isso fui ver Nana, um filme que tem
como complemento de abertura a curta metragem Rafa, de João Salaviza.
Para começar pelo princípio, Rafa é um filme português que recebeu um
prémio internacional e, como é costume, os nossos críticos de cinema, sempre
muito generosos com o artesanato, embandeiraram em arco falando de um
renascimento do cinema português, agora é que vai ser, etc. e tal. Rafa, no entanto, não tem ponta por onde
se lhe pegue ou, melhor dizendo, pode pegar-se-lhe por qualquer ponta que tanto
faz. Passo a resumir o argumento: Rafa é um adolescente deprimido que vive num
bairro social da margem sul com a mãe e a irmã, uma rapariga muito nova mas já
com uma criança nos braços. Não há pais por perto naquela casa alumiada por um
poste de iluminação pública. É noite, Rafa e a irmã estão em casa e esperam a
mãe, que não há meio de chegar. Rafa decide ir a Lisboa à procura dela e vai
directo a uma esquadra de polícia específica, o porquê disso nunca o saberemos.
A mãe, que não tirou a carta, espetou o carro do amante (que nunca se vê, mas
repetidamente insinuado como o mau da fita) contra uma parede ou assim e está
presa, parece. Rafa quer vê-la, mas como não o deixam senta-se na soleira de
uma porta em frente à esquadra. Caída do nada, deprimida no anoitecer, aparece
a irmã com a criança nos braços. Fim. Perante isto, fiquei a pensar o que haveria
de excepcional numa coisa destas? São os actores fantásticos? Não, e como é
comum aos filmes portugueses a fita deveria ser legendada, pois os actores
falam para dentro e não se percebe o que dizem. A fotografia é excelente, a
montagem inteligente? Nada, para além de uns rodriguinhos que mostram a irmã
sentada no apartamento social, bebé ao colo, o poste da EDP a revelá-la num
chiaroscuro de Pietá que só lhe revela metade
da face e deixa tudo o resto numa penumbra muito artística. E, de repente, sem
aviso ou ponto final, o filme acaba, como se estivesse muito cansado de
existir.
Deve, aliás, ser esse final abrupto o
motivo do encadeamento com o filme que se lhe seguiu, Nana, aquele que eu ia ver. Nana
é um filme francês de 2011, realizado por uma senhora chamada Valerie Massadian
e eu deveria ter desconfiado, depois da leitura de uma entrevista com a dama no
jornal. A senhora revela-se daquele tipo abrasivamente alternativo, sempre a enunciar
os seus princípios e posições existenciais e diz pérolas do subgénero de “só se
conseguir entender com as crianças”, pois que os adultos perderam a genuinidade
original. Não deixa até, e a propósito de nada, de narrar como um dia foi
surpreendida na cama, em vias de fazer sexo, pela filhinha pequenita que entrou
pelo quarto dentro de máquina fotográfica em punho...
A dor de cabeça é que esta artista
passa o filme inteiro a obrigar uma encantadora menina de 4 anos (Nana) a
encenar todos os disparates muito simbólicos que lhe passam pela cabeça sobre a
mordacidade da infância: força-a a assistir à matança, à sangria e à
chamuscadela da pelagem de um porco; obriga-a a queimar um coelho morto
(verdadeiro) na lareira; fá-la ter uma mãe louca e ausente que a deixa passar
dias sozinha numa casa no meio de uma floresta, e outras improbabilidades
semelhantes. Em nome de quê? Nunca se sabe, o filme também acaba de repente,
como se a mulher tivesse gasto todas as ideias que tinha sobre a infância ao
fim de escassos 60 minutos. Pobre Kelyna Lecomte (a menina que faz de Nana), espero bem que não venha a
ficar traumatizada com tanto disparate.
Tabu. |
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