16 setembro 2012

SEXO IMPLÍCITO


Nas inúmeras palavras usadas para nomear o sexo feminino, do infantil pipi ao terno e fremente passarinha, descobri a minha preferida na primeira metade dos anos 80, em Trás-os-Montes.
Passo por cima, delicadeza para com os meus ouvintes mais sensíveis, as gamas mais pesadas desta categorização em que a palavra pito, um termo que se acotovela no reino das aves com passarinha mas num canto um tanto mais picante da criação; em que a palavra pito, dizia, é, mesmo assim, a mais inocente da tremenda escadaria.
Resta, ao leitor curioso e interessado em frequentar uma formação intensiva na matéria, a opção de ir passar dois dias à cidade do Porto (ou de Braga) e abrir os ouvidos às conversas de rua, os olhos aos ditos sarrabiscados nas paredes e onde esses termos aparecerão profusamente, seja a solo ou acoplados ao órgão da prima, da tia e até da mãe. Enfim, acabam por ser termos muito familiares naquelas paragens.
Mas, como referi no primeiro parágrafo, foi em Trás-os-Montes que ouvi pela primeira vez a designação que passei a preferir a todas as outras pelo que de telúrico, cinegético e misterioso encerra, conservando o eco do bater de asas que encerra o poético passarinha, mas acrescentando-lhe o dramatismo de uma fuga por entre carvalhos numa manhã orlada de brumas...
O termo que, para manter alguma tensão literária, tenho até ao momento mantido ciosamente encerrado entre lábios é perseguida e ouvi-o, referido com a desenvoltura indiferente que se usa para uma palavra quotidiana, pela primeira vez numa consulta médica. Como poderão calcular, fiquei intrigadíssimo com a expressão, mas não era coisa que pudesse esclarecer com a senhora que se sentava à minha frente: nem a razão de ser do termo nem se, de facto, ela se estava mesmo a referir ao que eu pensava.
Mas é que estava mesmo, assim o confirmei dezenas de vezes nos anos vindouros, nas expressões de novas, intermédias e até naquelas idades em que, errónea e reumaticamente, somos tentados a supor que esse tipo específico de perseguição já não se pratica. Sim, ouvia-a sobretudo na boca de mulheres, embora os homens também se lhe referissem desse modo, mas menos amiúde pois tinham tendência a preferir os tais termos que, por decoro, prometi não utilizar por aqui.
Devo acrescentar, para desilusão das feministas que me leem e em cujas cabeças antecipatórias já fervilharão teorias de opressão e violência doméstica, que as referências à perseguida de cada uma não eram vocalizadas em tom magoado, angustiado ou de insustentável karma; não, havia no nomear a mesma naturalidade funcional de fenda que contém um pipi, a idêntica ternura singela de uma passarinha ou o mesmo carácter volátil, penugento e pipilante de um pito ainda não no espeto. Suponho, eu, que não sou antropólogo e muito menos sociólogo, que o uso do termo estaria associado à procura e ao sucesso que esse bem anatómico, essa mais valia – como agora se costuma dizer, alcançava na zona.
Na zona e à época, seria talvez melhor adicionar em nome da precisão, pois ignoro se a designação por lá se mantém neste novo século em que as escolhas são muitas, as preferências diversas, os sexos se confundiram e a libertação da mulher a fez finalmente assumir à luz do dia aquilo que, de facto, sempre foi: uma caçadora.
© Fotografias de Pedro Serrano: (1) 2010; (2) 2011.

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