Nas inúmeras palavras usadas para
nomear o sexo feminino, do infantil pipi
ao terno e fremente passarinha,
descobri a minha preferida na primeira metade dos anos 80, em Trás-os-Montes.
Passo por cima, delicadeza para com os
meus ouvintes mais sensíveis, as gamas mais pesadas desta categorização em que
a palavra pito, um termo que se
acotovela no reino das aves com passarinha
mas num canto um tanto mais picante da criação; em que a palavra pito, dizia, é, mesmo assim, a mais
inocente da tremenda escadaria.
Resta, ao leitor curioso e interessado
em frequentar uma formação intensiva na matéria, a opção de ir passar dois dias
à cidade do Porto (ou de Braga) e abrir os ouvidos às conversas de rua, os
olhos aos ditos sarrabiscados nas paredes e onde esses termos aparecerão
profusamente, seja a solo ou acoplados ao órgão da prima, da tia e até da mãe. Enfim, acabam por ser termos
muito familiares naquelas paragens.
Mas, como referi no primeiro
parágrafo, foi em Trás-os-Montes que ouvi pela primeira vez a designação que
passei a preferir a todas as outras pelo que de telúrico, cinegético e
misterioso encerra, conservando o eco do bater de asas que encerra o poético passarinha, mas acrescentando-lhe o dramatismo de uma fuga por entre carvalhos
numa manhã orlada de brumas...
O termo que, para manter alguma tensão
literária, tenho até ao momento mantido ciosamente encerrado entre lábios é perseguida e ouvi-o, referido com a
desenvoltura indiferente que se usa para uma palavra quotidiana, pela primeira
vez numa consulta médica. Como poderão calcular, fiquei intrigadíssimo com a
expressão, mas não era coisa que pudesse esclarecer com a senhora que se
sentava à minha frente: nem a razão de ser do termo nem se, de facto, ela se
estava mesmo a referir ao que eu
pensava.
Mas é que estava mesmo, assim o
confirmei dezenas de vezes nos anos vindouros, nas expressões de novas,
intermédias e até naquelas idades em que, errónea e reumaticamente, somos
tentados a supor que esse tipo específico de perseguição já não se pratica.
Sim, ouvia-a sobretudo na boca de mulheres, embora os homens também se lhe
referissem desse modo, mas menos amiúde pois tinham tendência a preferir os
tais termos que, por decoro, prometi não utilizar por aqui.
Devo acrescentar, para desilusão das
feministas que me leem e em cujas cabeças antecipatórias já fervilharão teorias
de opressão e violência doméstica, que as referências à perseguida de cada uma não eram vocalizadas em tom magoado,
angustiado ou de insustentável karma; não, havia no
nomear a mesma naturalidade funcional de fenda que contém um pipi, a idêntica ternura singela de uma passarinha ou o mesmo carácter volátil,
penugento e pipilante de um pito
ainda não no espeto. Suponho, eu, que não sou antropólogo e muito menos
sociólogo, que o uso do termo estaria associado à procura e ao sucesso que esse
bem anatómico, essa mais valia – como agora se costuma dizer, alcançava na
zona.
Na zona e à época, seria talvez melhor
adicionar em nome da precisão, pois ignoro se a designação por lá se mantém
neste novo século em que as escolhas são muitas, as preferências diversas, os
sexos se confundiram e a libertação da mulher a fez finalmente assumir à luz do
dia aquilo que, de facto, sempre foi: uma caçadora.
© Fotografias de Pedro Serrano: (1) 2010; (2) 2011.
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