Soprava uma brisa muito ténue do mar e
as conversas mantidas pelas pessoas sentadas no murete que separa a praia do
Titã do largo picadeiro, por onde caminhava, chegavam-me em perfeito estado. Esses
fragmentos sonoros iam mudando à medida que me deslocava e os vultos sentados
iam mudando:
“Não chegou a abrir, mas fez um
hematoma do caraças – teve de ir ao hospital!”
......
“Ó Júlio, vens embora ou vais ficar aí
toda a tarde...?”
.....
“Agora ela anda por aí numa cadeirinha
de rodas...”
.....
“Pá, ficou uma parede tão macia que
posso lá espetar um prego só de o carregar com os dedos.”
.....
Chegou-me uma mensagem pelo telemóvel,
eu próprio me sentei no murete para a ler e lhe responder convenientemente. Ao
meu lado estavam sentadas duas mulheres no declive dos trinta: ambas de cabelo
ruivo, calções, soquetes e ténis, irmanadas no gosto de se vestirem com roupa
já não muito adequada à idade que aparentavam. Uma falava, a outra ouvia, ia
debitando umas interjeições.
“Depois soube que ele estava no Porto,
percebes? A Susana tinha-o visto na véspera à noite... Mas fingi que não sabia
de nada e liguei-lhe...”
“E ele...?”
“Não atendeu... Depois ligou-me mais
tarde, a saber o que lhe queria... E eu: Era só para saber de ti, como não
falamos há que tempos... Que tens feito, por onde andas?”
E, em honra da outra, imitava o tom de
voz da resposta, digno mas com o travo do iogurte no limite de prazo.
“E vai ele: Por acaso agora até estou na
cidade, pode ser que a gente se veja...”
“E eu: é só dizeres, gosto sempre de
rever os amigos... E desliguei. No dia seguinte, como ele não disse mais nada,
liguei-lhe ao fim do dia?”
“E ele?”
“Não atendeu... Entretanto, nessa
noite a Cristina disse à Susana que o viu na discoteca, parece que estava com
uma gaja, loura, mais uns amigos..., pelo menos estavam todos na mesma merda de
mesa. Podes imaginar como fiquei, podre!, mas não reagi. Na quarta-feira ligou,
já se tinha ido embora, falei pra ele de modo muito seco...”
“E ele?”
“ Disse: ai, até parece que estás com
os azeites... E eu, sem me desmanchar: Ai sim, é que às vezes as pessoas não se
comportam como estávamos à espera...”
O meu telemóvel emitiu o pio de
mensagem entregue ao destinatário. Levantei-me e dei uma mirada à queixosa, a
ver se lhe coscuvilhava a expressão, mas as lentes espelhadas dos óculos de sol
não me deixaram ver mais do que a fila de automóveis estacionados do outro lado
da rua.
© Fotografias de Pedro Serrano: (1) Sever do Vouga, 2012; (2) Praia do Titã (Matosinhos), 2010.
"...o travo do iogurte no limite de prazo" :)
ResponderEliminar(Fui buscar agora um, mas ainda muito dentro do prazo)
@ Bj, dJ
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