21 setembro 2012

CONVERSAS CRUZADAS


Soprava uma brisa muito ténue do mar e as conversas mantidas pelas pessoas sentadas no murete que separa a praia do Titã do largo picadeiro, por onde caminhava, chegavam-me em perfeito estado. Esses fragmentos sonoros iam mudando à medida que me deslocava e os vultos sentados iam mudando:
“Não chegou a abrir, mas fez um hematoma do caraças – teve de ir ao hospital!”
......
“Ó Júlio, vens embora ou vais ficar aí toda a tarde...?”
.....
“Agora ela anda por aí numa cadeirinha de rodas...”
.....
“Pá, ficou uma parede tão macia que posso lá espetar um prego só de o carregar com os dedos.”
.....
Chegou-me uma mensagem pelo telemóvel, eu próprio me sentei no murete para a ler e lhe responder convenientemente. Ao meu lado estavam sentadas duas mulheres no declive dos trinta: ambas de cabelo ruivo, calções, soquetes e ténis, irmanadas no gosto de se vestirem com roupa já não muito adequada à idade que aparentavam. Uma falava, a outra ouvia, ia debitando umas interjeições.
“Depois soube que ele estava no Porto, percebes? A Susana tinha-o visto na véspera à noite... Mas fingi que não sabia de nada e liguei-lhe...”
“E ele...?”
“Não atendeu... Depois ligou-me mais tarde, a saber o que lhe queria... E eu: Era só para saber de ti, como não falamos há que tempos... Que tens feito, por onde andas?”
E, em honra da outra, imitava o tom de voz da resposta, digno mas com o travo do iogurte no limite de prazo.
“E vai ele: Por acaso agora até estou na cidade, pode ser que a gente se veja...”
“E eu: é só dizeres, gosto sempre de rever os amigos... E desliguei. No dia seguinte, como ele não disse mais nada, liguei-lhe ao fim do dia?”
“E ele?”
“Não atendeu... Entretanto, nessa noite a Cristina disse à Susana que o viu na discoteca, parece que estava com uma gaja, loura, mais uns amigos..., pelo menos estavam todos na mesma merda de mesa. Podes imaginar como fiquei, podre!, mas não reagi. Na quarta-feira ligou, já se tinha ido embora, falei pra ele de modo muito seco...”
“E ele?”
“ Disse: ai, até parece que estás com os azeites... E eu, sem me desmanchar: Ai sim, é que às vezes as pessoas não se comportam como estávamos à espera...”
O meu telemóvel emitiu o pio de mensagem entregue ao destinatário. Levantei-me e dei uma mirada à queixosa, a ver se lhe coscuvilhava a expressão, mas as lentes espelhadas dos óculos de sol não me deixaram ver mais do que a fila de automóveis estacionados do outro lado da rua.

© Fotografias de Pedro Serrano: (1) Sever do Vouga, 2012; (2) Praia do Titã (Matosinhos), 2010.


2 comentários: