O meu amigo Gonçalo tem uma quinta em
Santa Valha, localidade onde o distrito de Vila Real se desfoca no de Bragança.
Um dia destes chapou no Facebook esta fotografia de uma tília em plena
frutificação, o que traduz ter sido tirada Verão avançado.
Semanas antes, em Viseu, tentara eu
fotografar tílias do centro da cidade usando o telemóvel, impressionado,
como sempre fico, com a presença intensa e aromática desta árvore e pensando em
alinhavar uns parágrafos botânicos sobre o assunto para deixar aqui. Mas a foto
do Gonçalo, pela qualidade, beleza, e por conter todos os detalhes que
interessavam à minha descrição, esmagou-me. Apressei-me a pedir licença para a
usar.
Em Viseu, no Verão, tílias que estou
habituado a encontrar há mais de cinquenta anos (estas árvores podem durar 250
anos) ladeiam ambos os passeios da avenida que leva ao centro da cidade,
erigindo um dossel frondoso sobre o asfalto e fazendo-nos sentir regiamente privilegiados
ao deslizar sob elas.
Mais tarde, sentado numa esplanada da
praça principal, esperando a minha sandes de presunto, espiava a cortina verde
que me protegia o olhar do céu vistoso e cruel de Julho, olhando as folhas em
forma de coração que palpitavam levemente à sístole do ar quente. E eis que, de
súbito, vejo desprender-se e voltear em sustenido movimento helicoidal uma
folha, servindo de veículo a um ninho de sementes que buscavam o solo para aí preparar nova árvore. Pobres sementes que, na sua cegueira genética, nada mais
iriam encontrar que estéril cimento quadriculado...
Mas, em
toda esta busca inútil de terra fértil, a perversão cabia ao Homem que em
betonificado colete de forças aprisionara a natureza, dado que aquele voo era
perfeito na génese e aterrissagem. Em silêncio, volteando sobre si mesma, a
diminuta esfera contendo as sementes garantia o choque contra o solo no amortecido daquela pirueta lenta mas, simultaneamente, deixar-se-ia levar, tal pequena
bailarina leviana, pelas brisas que soprassem no momento e a amolecessem em
leito fecundo...
Bráctea florida. |
Sendo personalidade sensível a esse
tipo de particularidades, imagino que o Gonçalo, antes de ter sido tentado pelo
impulso de a fotografar, deve ter sentido a aura de todos aqueles tons de verde
e amarelo, a presença do mel, o silêncio
sagrado sobre a cabeça... Não se enganava. Na Alemanha, ainda hoje, a tília é
considerada árvore sagrada e mais de um milhar de localidades do país ostenta nome daí
derivado. Entre as mais conhecidas estará provavelmente Leipzig (Lipzk, lugar junto às tílias), a mais
musical das cidades europeias onde até no pisar das teclas de um piano se sente
o tacto esculpido da sua madeira branca e macia.
De cima para baixo: (1) © Gonçalo Mota, Santa Valha, 2013; (2) Blog Outras Comidas: A tília.
Lindo, Pedro !
ResponderEliminarObrigado pela parte que me tocou....
abraços
Gonçalo
@ Gonçalo, sempre a considerar-te. Abraço
ResponderEliminarÉs mesmo visual e musical, Pedro! Das tílias da avenida do Palácio recordo sobretudo o cheiro.
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