Talvez fosse o norte de África, talvez
fosse até a Arábia Feliz, o certo é que, assim à partida, não conseguia
identificar com precisão o país. Gente acocorada, paredes de cal faiscantes,
sombras espessas onde alguém chegara sempre antes de nós.
Estava com o Zé João num território
desses e numa espécie de caverna imensa que funcionava como cinema. Filas de
bancos sem gente como numa igreja abandonada, os ecrãs eram dois enormes
lençóis pendendo na entrada da caverna e, no momento, servindo de guarda-sol aos
espectadores ociosos, o bordo inferior oscilando indolente ao sopro quente que
chegava do exterior, como a barbatana a caminho da
imobilidade de um peixe na lota.
Ao contrário dos nossos vizinhos,
amontoados ao longo da parede irregularmente circular da caverna, eu e o Zeno
estávamos impacientes de estar ali acocorados, sem fazer nada, uma infinitude
de horas antes da primeira sessão da noite... Então, perante o olhar
indiferente dos outros, saltámos sobre os ecrãs tal quem se agarra às velas desfraldadas
de um navio. Com o impulso, as telas acordaram do torpor e balançaram-se alto
no ar, revelando o verde brusco do mar e o azul fixo do céu aos dois cinéfilos
arrebatados.
Nota: Cinema Transcendental é também o nome de um CD de Caetano Veloso, 1979.
Nota: Cinema Transcendental é também o nome de um CD de Caetano Veloso, 1979.
© Fotografia de Pedro Serrano, Santiago, Cabo Verde, Julho 2012.
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