What´s good?
Life’s good –
But not fair at all
(Lou Reed, Magic and Loss)
Lewis, Lewis Allan Reed, 1942-2013.
Assim fica feita companhia ao tracinho que, nas enciclopédias, parece sempre
órfão nos famosos que ainda sobram vivos.
Ouvi falar de Lou Reed em 1972 (tinha
eu 19 anos, ele 30) a propósito do estouro que foi “Walk on the Wild Side, hit
retirado do álbum Transformer. Nessa
altura os Velvet Underground já tinham dado o berro e eu só vim a conhecer o lendário
grupo por curiosidade retrospectiva.
Agora conheço a obra toda, de uma
ponta à outra, Lou Reed confunde-se um pouco com o fundo sonoro da minha vida
entre os vinte e os cinquenta anos. Um dia, sabendo da minha consideração pelo
homem, o Francisco Vasconcelos, editor da Relógio
d’Água, desafiou-me a traduzir Pass
Thru Fire – The Collected Lyrics. Isto terá sido pelo ano 2000, quando
apareceu o livro e, aterrado pela responsabilidade, eu disse “não”. Não muitos anos passados seria
castigado ao dizer um “sim”, tremente e quase consciente, perante o mesmo
desafio ante a lírica completa de Bob Dylan, o dobro do trabalho, quanto mais
não seja pelo número de canções! Vá lá a gente entender-se.
Pelos jornais, pelas revistas, fui
acompanhando a vida de Reed ao longo do tempo e, a cada jornal desdobrado,
esperava deparar com a notícia da sua morte. Por overdose, claro, que o homem era um excessivo. E que drogas:
heroína, cocaína, anfetaminas; misturas endovenosas disto tudo. De modo que
esperava vê-lo morto aos 30, 35, aos 40, aos 50...
Depois, uma noite de verão
maravilhosa, fui vê-lo a Coimbra, num concerto ao ar livre em que o fundo do
palco era uma mata de bambus. Um concerto mágico e magnífico em que, a meio do
espectáculo, apareceu de repente no palco um gigante, locomovendo-se em gestos
físicos descoordenados e ausentes, que o faziam parecer cego. Era Antony, na
altura ainda um quase desconhecido, e desbobinou uma versão de “Perfect Day” de
ir às lágrimas. Não muito tempo passado (Reed vinha a Portugal com frequência e
parecia achar graça ao país – chegou a passear-se por um S. João do Porto), em
Abril de 2004, “Perfect Day” seria o encore
que eu ansiava na inauguração da Casa da Música no Porto, com um Lou Reed
atrapalhado com o novelo acústico que é o da sala principal daquele falso
diamante.
Agora Lou Reed morreu e sem saber
muito detalhes da sua história clínica é relativamente simples supor o que
aconteceu: drogas endovenosas = seringas pouco higiénicas = hepatite C. Esta,
com o rolar dos anos, degenera com frequência em cancro do fígado e isto deve
explicar o transplante a que Lou foi submetido em Maio deste ano. Provavelmente
foi isso que aconteceu e o homem limitou-se a pagar, afinal não tão a pronto
assim, a conta pelos caminhos por onde escolheu andar.
Vamos fazer o quê? Lamentá-lo por não
ter comido mais bróculos ou tofu, por não se ter deitado todos os dias da sua
vida às nove da noite? Ou acender isqueiros ondulantes e mastigar para
microfones e editoriais que o mundo e o rock’n’roll vão ficar mais pobres sem ele,
que a sua perda será irreparável, etc., até que nos morra outro qualquer –
músico, escritor ou político – que obrigue a dizer o mesmo?
Sorte a tua, Lou, que me deixaste a
estante cheia de CD e as tuas canções, poemas e aquela maneira meia falada de
contar histórias irão ouvir-se enquanto houver ouvidos disponíveis, e serão lembradas enquanto a cada um de nós sobrar memória para isso.
Nota:
Para quem não conhece e está curioso recomendo alguns dos meus CD favoritos: The Velvet Underground & Nico (1967);
The Velvet Undreground (1969); Transformer (1972); Coney Island Baby (1975); New
York (1989); Songs for Drella
(1990); Magic and Loss (1992); The Raven (2003).
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