29 outubro 2013

PERFECT DAY (Lou Reed)


What´s good?
Life’s good –
But not fair at all
(Lou Reed, Magic and Loss)

Lewis, Lewis Allan Reed, 1942-2013. Assim fica feita companhia ao tracinho que, nas enciclopédias, parece sempre órfão nos famosos que ainda sobram vivos.
Ouvi falar de Lou Reed em 1972 (tinha eu 19 anos, ele 30) a propósito do estouro que foi “Walk on the Wild Side, hit retirado do álbum Transformer. Nessa altura os Velvet Underground já tinham dado o berro e eu só vim a conhecer o lendário grupo por curiosidade retrospectiva.
Agora conheço a obra toda, de uma ponta à outra, Lou Reed confunde-se um pouco com o fundo sonoro da minha vida entre os vinte e os cinquenta anos. Um dia, sabendo da minha consideração pelo homem, o Francisco Vasconcelos, editor da Relógio d’Água, desafiou-me a traduzir Pass Thru Fire – The Collected Lyrics. Isto terá sido pelo ano 2000, quando apareceu o livro e, aterrado pela responsabilidade, eu disse  “não”. Não muitos anos passados seria castigado ao dizer um “sim”, tremente e quase consciente, perante o mesmo desafio ante a lírica completa de Bob Dylan, o dobro do trabalho, quanto mais não seja pelo número de canções! Vá lá a gente entender-se.
Pelos jornais, pelas revistas, fui acompanhando a vida de Reed ao longo do tempo e, a cada jornal desdobrado, esperava deparar com a notícia da sua morte. Por overdose, claro, que o homem era um excessivo. E que drogas: heroína, cocaína, anfetaminas; misturas endovenosas disto tudo. De modo que esperava vê-lo morto aos 30, 35, aos 40, aos 50...
Depois, uma noite de verão maravilhosa, fui vê-lo a Coimbra, num concerto ao ar livre em que o fundo do palco era uma mata de bambus. Um concerto mágico e magnífico em que, a meio do espectáculo, apareceu de repente no palco um gigante, locomovendo-se em gestos físicos descoordenados e ausentes, que o faziam parecer cego. Era Antony, na altura ainda um quase desconhecido, e desbobinou uma versão de “Perfect Day” de ir às lágrimas. Não muito tempo passado (Reed vinha a Portugal com frequência e parecia achar graça ao país – chegou a passear-se por um S. João do Porto), em Abril de 2004, “Perfect Day” seria o encore que eu ansiava na inauguração da Casa da Música no Porto, com um Lou Reed atrapalhado com o novelo acústico que é o da sala principal daquele falso diamante.
Agora Lou Reed morreu e sem saber muito detalhes da sua história clínica é relativamente simples supor o que aconteceu: drogas endovenosas = seringas pouco higiénicas = hepatite C. Esta, com o rolar dos anos, degenera com frequência em cancro do fígado e isto deve explicar o transplante a que Lou foi submetido em Maio deste ano. Provavelmente foi isso que aconteceu e o homem limitou-se a pagar, afinal não tão a pronto assim, a conta pelos caminhos por onde escolheu andar.

Vamos fazer o quê? Lamentá-lo por não ter comido mais bróculos ou tofu, por não se ter deitado todos os dias da sua vida às nove da noite? Ou acender isqueiros ondulantes e mastigar para microfones e editoriais que o mundo e o rock’n’roll vão ficar mais pobres sem ele, que a sua perda será irreparável, etc., até que nos morra outro qualquer – músico, escritor ou político – que obrigue a dizer o mesmo?
Sorte a tua, Lou, que me deixaste a estante cheia de CD e as tuas canções, poemas e aquela maneira meia falada de contar histórias irão ouvir-se enquanto houver ouvidos disponíveis, e serão lembradas enquanto a cada um de nós sobrar memória para isso.

Nota: Para quem não conhece e está curioso recomendo alguns dos meus CD favoritos: The Velvet Underground & Nico (1967); The Velvet Undreground (1969); Transformer (1972); Coney Island Baby (1975); New York (1989); Songs for Drella (1990); Magic and Loss (1992); The Raven (2003).

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