Há uns anos atrás, um conhecido meu
viajou para um país de África, esquecendo de levar
consigo o cartão da vacina contra a febre amarela. Segundo os ditames do Regulamento
Sanitário Internacional, para se entrar em alguns países africanos onde o risco
desta doença era maior tornava-se obrigatório apresentar a cartolinazinha
amarela onde é registada a administração da vacina. Pois na pressa da saída,
ele esquecera-se de enfiar o documento ao lado do passaporte e só se deu conta
disso no avião.
Como era tipo traquejado em África
e viagens para África, ao meter-se no ajuntamento em volta do enfermeiro que
carimbava os documentos de entrada no país após relancear o certificado de
vacinas, enfiou o documento de entrada dentro das folhas do passaporte, o todo
acompanhado por uma viçosa nota verde, em dólares.
Quando chegou a vez dele, tapando o
mais que podia com o corpo o balcão onde o homenzinho preto vestido de branco
distribuía carimbadelas como quem mata moscas, o meu conhecimento esticou
o passaporte na direcção do profissional de saúde que, folheando o passaporte e
lançando um olhar indiferente ao dono, lho devolveu aliviado de peso, com o documento a apresentar ao controlo de entrada devidamente legalizado por carimbo a óleo.
A partir desse momento, o cidadão estrangeiro estava oficialmente vacinado contra a febre
amarela.
Vem isto a propósito da decisão,
tomada hoje, pelos ministros da saúde europeus e efusivamente comunicada pelo
respectivo Comissário, de Bruxelas passar a exigir controlo de temperatura
corporal à saída dos países com
epidemia de ébola no activo e, como complemento de gente precavida, realizar uma auditoria ao modo
como o processo está a ser conduzido nos países africanos na berlinda.
Inquirida à saída da reunião sobre o
motivo que a levara a vetar a proposta de o controlo da temperatura dos
viajantes ser, em alternativa, feito à entrada
dos países europeus, a ministra da saúde da Finlândia respondeu com segurança:
“Porque é mais eficaz fazê-lo lá, à saída de África...”
Suave ingenuidade de quem vive num
país pacato, rumorejante, ordeiro e que cumpre as regras estabelecidas como se fossem uma
segunda pele! Lá, nos países onde grassa a epidemia, até um grau de
febre pode ser convenientemente negociado.
E quanto à auditoria, pagava para ver: já imagino o rigor imaculado com que os funcionários africanos irão cumprir, com superior eficiência, os protocolos; pelo menos nos dias em que estiverem por lá aqueles branquelas de camisa azul e gravata às riscas, muito atentos e a escrever afanosamente nos seus tablets. Ah, mas lá todos sabem que eles vão durar pouco no país, já que as auditorias são finitas, o calor é de ananases, muitas são as varejeiras, e tresandam os corpos que apodrecem lá fora.
E quanto à auditoria, pagava para ver: já imagino o rigor imaculado com que os funcionários africanos irão cumprir, com superior eficiência, os protocolos; pelo menos nos dias em que estiverem por lá aqueles branquelas de camisa azul e gravata às riscas, muito atentos e a escrever afanosamente nos seus tablets. Ah, mas lá todos sabem que eles vão durar pouco no país, já que as auditorias são finitas, o calor é de ananases, muitas são as varejeiras, e tresandam os corpos que apodrecem lá fora.
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