O menino resolveu fazer uma birra
Mesmo quando era ofertada a mirra.
Jesus, não podes! Olha que chamo o Herodes!
Acudiu a virgem desaustinada
Desenhando o gesto de uma sapatada.
Não quero os Reis Magros, não gosto do
Gaspar!
Vociferou o Deus menino a espernear
Levantando nuvens de palhinhas pelo ar.
Adormece a humanidade ao redor
Eis que se ergue uma voz no escuro:
Ó Zé, que fizeste ao ouro do Melchior?
Sossega, pu-lo sob a palha do burro
Informou, sonolento, o carpinteiro.
Agora que temos algum dinheiro
Podíamos passar pelo sapateiro
Estou a precisar de calçado novo
E vi na loja do judeu um camafeu...
Mas o patriarca já se desvaneceu
E no breu, a Virgem, bem desperta
Vai cismando em como está entradote
O seu carpinteiro que, de boca aberta,
Desfia escalas como um serrote.
Vai alta a curva da noite
Quase roseia a madrugada
A estrela-guia pisca, desmaiada.
Esfriado na bruta manjedoura
Deitado em palha aguçada por lençol
E tendo tábuas duras como colchão
O Menino desperta, resmungão
A mãe faz como quem se levanta
Deixa-te estar, que vou lá eu...
Diz S. José enrolando-se na manta.
Serenada, Maria vai adormecendo
Sarrabiscando intenções vindouras
Umas urgentes, outras duradouras
De manhã, desenriçar os nós ao cabelo
Provar as sandálias de pele de camelo...
A fuga do Egipto, a trindade cheia de pó
O burrito, pela arreata de uma guita
E uma voz, longínqua, que debita:
Vá lá, Jesus, tens de fazer ó-ó!
Era uma vez, a filha de um Faraó...
©Fotografia de Ana Rodrigues, 2014.
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