Queixo-me às
rosas
Mas que
bobagem
As rosas não
falam
Simplesmente
as rosas exalam
“As Rosas Não Falam”, Cartola.
Ao
que parece, a Dr.ª Rosa Zorrinho, uma senhora dona de um nome ricamente
relinchante, teve finalmente uma ideia.
Actualmente
Secretária de estado da Saúde e de quem, profissionalmente, o que de mais
vincado se lhe conhece é a velocidade com que se dispõe substituir dirigentes
afastados por escândalo ou trapaça, esta senhora apresentou-se há meses na
tomada de posse – na embaraçosa demissão de Manuel Delgado, a quem sucedia – em
esfusiante disposição, escancarando sorrisos e erguendo braços em dinâmicos
gestos de surpresa (“oh, então também tu por aqui?”), preâmbulo ao distribuir de
abraços e beijinhos por quem estava no Palácio de Belém, parecendo não se
aperceber da circunspecção fria da cerimónia e usando da mesmíssima soltura que
exibiria nas festas de Natal das Administrações Regionais de Saúde por onde
passou.
Desde
aí nada mais veio a lume sobre a nova alta dirigente, até que hoje (27 de
Março, dia histórico) os jornais nos dão conta de uma ideia para a Saúde de
Rosa Zorrinho: a Sr.ª Secretária de Estado propõe-se contribuir para a
felicidade de médicos, enfermeiros e outros profissionais do Serviço Nacional
de Saúde (SNS). Ela mesmo explica de onde lhe proveio a iluminação:
“Recentemente,
Portugal fez parte do grupo fundador de países que subscreveu a Declaração
Conjunta da Coligação Global para a Felicidade”, pelo que ela quer também
contribuir “de forma clara para este desígnio”. E qual será a tal forma clara, perguntar-se-á o leitor,
profissional de saúde ou mero utente do SNS? Os mais imediatistas e
materialistas ficarão, porventura, a magicar em medidas que melhorem os rapados
ordenados de médicos e enfermeiros – e os fazem voar para outras paragens;
talvez na abertura rápida de concursos para preenchimento dos rarefeitos mapas
de pessoal dos estabelecimentos de saúde; num enquadramento em carreira que
preveja o modo de progredir na profissão; no pagamento, cronicamente atrasado,
de horas devidas por trabalho já efectuado. Outros, focando-se mais a montante,
mas ainda assim demasiado apegados ao mundo material, talvez associem as
divulgadas “depressões” e “burnouts” dos profissionais de saúde ao ambiente de
guerrilha ou às condições de terceiro mundo em que muitos deles trabalham e sob
as quais fazem o que podem: hospitais sem recursos para tomar simples medidas de manutenção ou
contratar pessoal; ausência de dinheiro e de autorização para pagar a
fornecedores, para comprar bens de primeira necessidade; à pressão ética e
humana para atender e tratar, que, de quando em quando, obriga médicos à
gincana ilegal de sugerir a familiares de doentes que vão à farmácia mais
próxima comprar – do próprio bolso – um medicamento que se acabou no hospital; talvez
que esse estafamento e desânimo tenha até sido influenciado pelas alterações
aos procedimentos médicos, ao forçar do calendário da janela de tempo para um
tratamento adequado, prorrogados por falta de meios, avaria de equipamento ou equipas
claudicantes.
Que
disparate, o de quem assim raciocina! Que derrotismo! A felicidade está além do
que os olhos veem, sobrevoa o comezinho e, aliás, é desiderato tão simples de
alcançar que será suficiente um modesto grupo de trabalho para que, em nada
mais do que um par de meses, seja legítimo pintar todo o SNS cor-de-Rosa! Será
este o grande contributo de Rosa, por isso será lembrada e inscreverá o seu
nome na história do SNS. Até lá, que os profissionais não se deixem tomar pelo
desespero ou pelo burnout: em breve terão à disposição maravilhosos folhetos
ilustrados, recheados de medidas e orientações, onde aprenderão a conciliar a
vida profissional com a pessoal; através dos quais passarão a beneficiar de
espectaculares promoções de estilos de vida saudáveis! Ainda em plena primavera
passarão a sentir-se mais felizes e a fazer parte integrante de um SNSgold.
E se
aos profissionais espera este mundo maravilhoso, talvez não seja demasiado
atrevimento perguntar o que, na nova realidade da Coligação Global para a
Felicidade, poderão ambicionar aqueles que, segundo a carta de missão do SNS,
são os seus destinatários, isto é: os doentes ou, na sua versão mais alargada,
os utentes. Estou em crer que esses mal-agradecidos, essa amálgama de gente sem
visão, se contentaria até com estados de alma menos serotonina-em-alta; é mesmo
expectável que se, em vez da
felicidade, lhes oferecessem consultas a horas e no dia marcado; diagnósticos
atempados; tratamentos e operações compatíveis com a espera razoável para o mal
que tem... e – se não fosse pedir muito – uma cama numa enfermaria em vez de
uma maca num corredor; um modo humano de ser ouvido por quem se debruça sobre
ele, uma explicação do que está ali a fazer e de para onde irá a seguir....
Estou em crer que se contentariam, que se consolariam.Ingratos!Ficam-se pelo consolo quando podiam ambicionar a felicidade!
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