17 junho 2010

LESS THAN GREEK

My Funny Valentine é uma canção escrita por Richard Rodgers (música) e Lorenz Hart (letra), uma dupla que cravejou o firmamento das canções imortais com jóias como “My Heart Stood Still”, “Blue Moon”, “Lover” e “Litlle Girl Blue”.
A canção foi escrita para um musical chamado Babes in Arms (1937) e disso se desconfia logo pelo recitativo, uma espécie de prólogo, mais falado do que cantado, que é usado como transição entre os diálogos da peça e o aparecimento de uma nova canção. “Stardust” e “Over the Rainbow” são outros exemplos de canções que lançam mão deste preâmbulo musical. 
Usando um inglês antiquado, o recitativo de “My Funny Valentine” consiste numa estrofe de oito versos que reza:


                                          Behold the way our fine feathered friend,
                                          His virtue doth parade
                                          Thou knowest not, my dim-witted friend
                                          The picture thou hast made
                                          Thy vacant brow, and thy tousled hair
                                          Conceal thy good intent
                                          Thou noble upright truthful sincere,
                                          And slightly dopey gent


Há mais de um milhar de gravações em disco desta canção (e mais de 600 intérpretes contabilizados), mas nem em todas este preliminar aparece. Esta amputação sucede, por exemplo, na muito bela interpretação de Chet Baker, posteriormente celebrada e imortalizada na banda sonora do filme O Talentoso Mr. Ripley, onde Matt Damon (Tom Ripley) a usa como parte da sua estratégia para seduzir Jude Law (Dickie Greenleaf).
Após o recitativo começa então a canção propriamente dita e o modo como Rodgers e Hart conseguiram ligar a última linha do recitativo à primeira do corpo da canção é divino e de génio, pois não há transição visível, apenas uma suave continuidade.
A letra reza:


                                          You’re my funny valentine,

                                          Sweet comic valentine,

                                          You make me smile with my heart.

                                          Your looks are laughable, unphotographable,

                                          Yet, you're my favorite work of art.





                                        Is your figure less than greek?

                                          Is your mouth a little weak?

                                          When you open it to speak, are you smart?

                                          But, don't change a hair for me.

                                          Not if you care for me.

                                          Stay little valentine, stay!

                                          Each day is Valentine's day


Como se pode ver, a coisa trata de alguém muito apaixonado que embora, numa última centelha de lucidez, consiga reconhecer que o ser amado não é perfeito na sua beleza ou, quiçá, inteligência, se encontra totalmente dependente dessa perfeição a ser e lhe suplica que fique, pois de outro modo o seu coração não saberá sorrir.
Isto é o que a letra diz, mas agora vem a música que estabelece como isso deve ser dito da boca para fora. E deve ser dito repassado de melancolia, o diapasão da entoação afectiva deve estar sintonizado na tristeza branda de alguém que sabe estar completamente nas mãos de outro, um amor que se pode tornar infeliz de um momento para o outro e que só deixará a nostalgia a reverberar no ar. Como uma premonição, o tom da canção oferece já aos nossos ouvidos um rasto desse possível desalento. Estamos na coutada do destino. 
Pois bem, passando agora às interpretações da canção, houve muito boa gente que não percebeu o tom e a delicadeza de espuma que a interpretação desta canção exige. É longa a lista de celebridades que a interpretaram, ficam aqui listadas algumas: Nat King Cole, Frank Sinatra, Chet Baker, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Johnny Mathis, Etta James, Nina Simone, Nico, Michael Buble, Christina Aguillera e Chaka Khan. Na minha opinião, Frank Sinatra não soube pegar nela com suficiente subtileza e fico espantado com o modo como Nat King Cole, um cantor tão maravilhosamente intuitivo, lhe pegou – o tom com que a canta é completamente trágico, para ele aquilo já terminou! Também nem tanto! Nas interpretações desta cançãozinha aparentemente simples, mas uma autêntica armadilha vocal, as que mais gosto ficam nas interpretações soporífera de Chet Baker, na irrepreensível de Ella Fitzgerald e na mais recente e poderosa versão de Chaka Khan, senhora que arremessa aos ouvintes uns “stay” capaz de lhes dar um nó na espinal medula. A potência do canto dela pode até ser excessiva, mas aqui o que interessa é a intenção e ela acentua-a nos sítios certos.
Tudo isto, em som e imagem, pode o leitor encontrar no You Tube. Quando andei por lá à procura de uma versão para ilustrar este texto (post) topei em várias interpretações de amadores, seres que se colocam em frente à câmara de filmar do computador e bota cá para fora uma canção. Comoveu-me, em particular, a versão de uma rapariga Argentina, chamada Sofia, uma pessoa de ar muito triste. Essa tristeza não é pose para a canção, é evidente nos outros vídeos musicais dela que andam pelo You Tube. Pois essa menina, de voz mediana e timidez acentuada, capaz de rondar a fífia aqui e ali, sabe lindamente que pele é necessário despir para cantar “My Funny Valentine”. Ora vejam.




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