Há lareiras espalhadas na minha existência desde que me lembro. Essa presença veio pelo meu pai, foi ele que trouxe consigo essa noção do fogo e de quando toda a vida familiar girava em torno da pedra do lar, isto é, da lareira.
.jpg)
Na minha primeira casa no Porto, onde passei a infância e os primeiros anos da adolescência, não havia lareira nem seria fácil improvisar uma. Mas a noção de envolvência térmica era confortavelmente emulada por uma salamandra prateada com uma portinhola de vidro de mica através da qual se via a reverberação laranja de um fogo quase sem chama, originado na combustão de umas pedras de carvão muito atraentes à vista, ao odor e, até, à proibição absoluta de toque. Essas pedras pareciam conchas de amêijoa, um formato entre o rissol de camarão e o bolinho de bacalhau. Suponho que fosse carvão moldado para parecer assim, chamava-se coque e se o seu aspecto era marítimo, o seu odor lembrava comboios, estações de caminho de ferro. Acho, também, que ainda reconheceria, se o ouvisse, o ruído que produzia quando era despejado, de um balde de lata de pescoço alongado, na boca insaciável da salamandra. Que gabarito térmico aquilo encerrava! Ao fim de umas horas de carburação todo o ferro forjado do corpo cilíndrico da salamandra ficava em brasa, uma brasa que contagiava em cor laranja o primeiro metro do tubo da chaminé, tubo que trepava pelo interior da casa aproveitando as voltas do corrimão para se escapulir até à clarabóia e ao chapelito cónico que, já fora do telhado, precavia o retornar do fumo sob a ventania de inverno. Tanto quanto recordo, aquele tambor de ferro forjado e a sua chaminé de lata, pintados como papel de prata, aqueciam a casa toda, inclusive a flanela dos nossos pijamas que pairavam lá em cima, dispostos sobre o corrimão e envolvendo o cano como um cachecol, a tempo de estarem tépidos quando nos fossemos deitar e de fazerem parelha com a botija de água quente que esperava escondida em vale de lençóis.
© Fotografias de Pedro Serrano, Praia da Areia Branca: (1) 2010; (2) 2007.
Sem comentários:
Enviar um comentário