Não lembro, não lembrarei mais, a última vez que vi o meu pai vivo. Não me é difícil reconstituir o que poderá ter sido esse momento: desde o Verão desse ano passei a ir ao Porto com muito maior regularidade, habituei-me a fazer aqueles trezentos km que me separavam de casa quase sem pestanejar. O coração apertava-se ao virar a frente do carro para as grades do portão da casa do meu pai, enquanto saía do carro e o abria, enquanto deslizava rampa abaixo, fechava o carro, subia as escadas que dão para a porta da cozinha e me preparava para entrar em casa e enfrentar a visão dos detalhes que me tinham sido relatados ao telefone pelas minhas irmãs, aquilo que eu próprio somava por experiência directa. Nesses últimos meses não havia nada a pôr no monte das coisas que estavam a correr bem. E eu ao leme de quem tinha sido o meu leme, não há maior sensação de naufrágio.
Quando, nesses Domingos à tarde, regressava ao Sul, à minha própria vida, era com desalento que olhava a fachada da casa antes de arrancar, era com alívio que, umas tantas dezenas de km de auto-estrada volvidos, reparava enfim na beleza da tarde que se esbatia, que via surgir no céu um contorno de lua, o tom dourado que se espraiava a poente.
Antes de sair, passava pelo quarto a despedir-me:
“Pai, tenho de ir andando...”
“Vai, vai à tua vida”, dizia ele e rematava, quando me inclinava para o beijar na face ou na testa:
“Até sempre...”
Terá, pois, sido esse o modo como nos despedimos a última vez que o vi, com um “até sempre”, uma despedida que adoptou nos últimos anos de vida. Desde quando, quando se processou essa viragem na fórmula de despedida? Não sei, não sei; ele sabia mais do que eu sobre certas coisas e, com raras excepções, não falava do processo de chegar a elas.
© Fotografia de Pedro Serrano, Norte 2008.
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