27 junho 2011

CHAMA-ME ZULMIRO!

Beira-mar. Depois do braseiro de ontem, e dos dias precedentes, hoje corria uma brisa benévola, carregada daquele aroma a maresia que, de imediato, me mergulha na minha juventude à borda d'água.
À minha esquerda na esplanada, uma senhora, concentradíssima na tarefa e ignorando os apelos do mar vizinho, corrigia testes, a esferográfica vermelha, erecta e de tampa a condizer com a cor das unhas das mãos e dos pés, aguardando, atenta, a oportunidade de intervir sobre o papel e aí deixar pertinente comentário, quiçá um suficiente menos ou um medíocre +.
Como um papagaio ébrio, solta no azul da tarde, a minha mente regressou aos tempos do liceu em que o sonho de qualquer aluno do meu género seria poder penar os 50 minutos que durava uma aula vendo flanar no estrado, ou esticando-se para escrever no cimo do quadro-negro, uma pintura semelhante. Isso, sim, tornava qualquer disciplina interessante. Eram, no entanto, recursos inexistentes nesses tempos pré-liberdade, o que explica o ar sisudo e grave dos licenciados da minha geração. 
E, agora, ali estava ela, feita carne-e-osso, o maço de pontos ainda por corrigir, presumivelmente ordenado por ordem alfabética, pousado sobre a sua morena e tépida coxa estival.
Paguei, levantei-me e fui dar milho às gaivotas... 


© Fotografia de Pedro Serrano, Matosinhos, Junho 2011 (o autor agradece à Buondi a gentil intercessão que evitou o dever de obter um consentimento informado do modelo).

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