16 junho 2011

GIVE PISS A CHANCE!

Imagine o leitor que vai de Lisboa para o Porto. 
Já saiu da reunião mais tarde do que pensava que ia ser a sua duração e, quando se levantou de três horas ininterruptas de cadeira, percebeu que não seria mau dar uma mija antes de partir, mas, depois, veio-lhe à mente que o tempo de parcómetro do automóvel terminara há mais de vinte minutos. Despediu-se à pressa, desceu as escadas a correr e, graças a Deus, a ucraniana da EMEL ainda andava entretida a encravar envelopes em limpa para-brisas mais a leste. Meteu-se no carro e arrancou.
A bexiga pesa-lhe um pouco, mas nada de transcendente, e assim deixa passar a estação de Aveiras em branco. Na de Santarém, concluiu que também não era por mais 40 Km que ia rebentar e quando se deu conta da estação de Leiria ia tão distraído a pensar nas enormidades da intervenção do representante do sindicato que já não teve tempo de guinar para a direita sem risco de colidir com um camião-TIR da Porcelanosa.
Trava, já muito aflito, na área de serviço da Figueira da Foz e tem de sair do assento de lado, contrafeito como uma grávida de nove meses. Carrega no controlo-remoto da chave do carro e o mais dignamente que pode vence os metros que o separam da porta do WC dos homens. Empurra-a, verifica satisfeito que não está ninguém lá dentro e apressa-se para um dos dois mictórios que esperam pendurados na parede de azulejos cinzento-antracite.
[Faço um parêntesis para, em proveito das minhas ouvintes – que imagino menos versadas nestes detalhes de WC masculinos – explicar algumas coisas, a primeira das quais é a de que nos quartos-de-banho públicos destinados ao sexo masculino existem, para além das vulgares retretes, uma espécie de enormes terrinas, suspensas na parede à altura conveniente, para aqueles necessitados que só precisam de satisfazer a parte líquida das necessidades fisiológicas. Chamam-se mictórios, embora o vulgo também os designe por mijatórios. São, se o local é limpo e os parceiros que o usam minimamente civilizados, de um branco imaculado, podem conter no fundo bolas de naftalina para absorver odores e, os mais sofisticados, ostentam, pintada na porcelana, uma enorme mosca-varejeira em tons de preto que, suponho, se destina a assustar a mesma e mesmo outras categorias de insectos. A segunda coisa que queria ilustrar às ouvintes é o modo como os homens cumprem o acto de urinar, funcionalidade com que podem não estar totalmente familiarizadas. Ao contrário da mulher, que geralmente se alivia sentada ou, se muito nojenta, flectida ou de cócoras, o homem adulto mija de pé. Não pense, querida leitora, que isto torna o acto mais fácil, pois, apesar da posição casual, o praticante precisa sempre das duas mãos para o fazer: uma para manter a braguilha aberta e/ou a borda das cuecas rebaixada e a outra, mais frequentemente a direita, para segurar, entre o polegar e o indicador, o aparelho mijatório e, findo o esvaziamento, para sacudir convenientemente as teimosas últimas gotas].
Pedindo desculpa pela extensão do parêntesis, retomo a descrição do episódio onde o deixei, isto é: quando o nosso herói, à rasquinha, se dirige para um dos  mictórios, a mão direita estripando já o fecho-éclair das calças e apontando ao cálice de porcelana o necessitado órgão. E ei-lo que mija, mija, mija, e uma qualquer câmara poderia filmar a satisfação e alívio que se lhe vai estampando na face não fora a luz do quarto-de-banho se extinguir de repente!
“Caralho”, conclui, aterrado, o herói nortenho de si para si, “um WC amigo do ambiente!”
E, de facto, aconteceu-lhe ir parar a um dispositivo sanitário auto-sustentável, como o classificaria qualquer planeador urbano do PS, daqueles munidos de uma foto-célula inspirada em Galileu: se há movimento a luz mantém-se acesa, se o movimento cessa ela extingue-se. E, na realidade e no seu êxtase, o nosso herói estava praticamente imóvel, tinha até apoiado a testa apaziguada nos azulejos cinzento-antracite da parede, a única coisa que se movia em si era aquele jacto de um dourado silencioso...
Sem luz, é complicado manter a certeza se se está a mijar na direcção correcta e, não querendo mijar o chão, o nosso viajante sacode um pouco o corpo. Nada, o sensor não detecta e a luz mantém-se apagada. Sacode-se um pouco mais, o sensor é activado, mas o movimento foi demasiado enérgico e um pouco de produto atinge-lhe o sapato direito. Contendo uma imprecação, o nosso herói continua o que ainda vai a meio e vai precisar de ainda mais duas sacudidelas do tronco até que se dê por finalizada a depleção da bexiga. Agora, faltam-lhe apenas as sacudidelas terminais, mal dadas, executadas à pressa no receio de novo eclipse...
Algo frustrado, o nosso amigo dirige-se ao lavatório e inspeciona a torneira, em busca de um manípulo, uma rosca, ou algo que se pressione para que a água brote. Nada. O viajante espreita debaixo da pia em busca de um pedal, às vezes são torneiras dessas... Nada, é mesmo uma puta duma torneira inteligente, auto-sustentável. E ei-lo a passar as mãos por baixo dela, para a frente, para trás, para-a-frente-e-para-trás... Eis que, sem que tenha percebido o paralaxe do mecanismo, a água jorra e ele aproveita o jacto enquanto ele verte. Sol de pouca dura, pois a luz de cima apaga-se por insuficiente movimento global. 
Cerca de cinco minutos depois, graças a ter saltaricado num pé e no outro metade do tempo, o nosso viajante conseguiu lavar as mãos e começar a secá-las num aparelho eléctrico que atroava os ares como um tufão, mas que parava de bufar mal as mãos abandonavam a mística posição de um deslizamento síncrono e vertical sob uma luz de um azul tão intenso e holográfico como o do terceiro olho.
Com as cuecas húmidas, os sapatos conspurcados e as mãos peganhentas de espuma mal escorrida, o nosso herói entrou de rompante no cubículo de uma das retretes, sacou do suporte o rolo de papel higiénico e enrolando uma generosa porção em torno das mãos acabou a secá-las dessa forma tão censurável, deixando atrás de si um rasto de portas escancaradas e papel reciclado....


© Fotografias de Pedro Serrano, Lisboa 2011.  

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