04 junho 2011

HOSPITALEIRO


Nos últimos quinze anos, habitualmente no fim da Primavera e no início do Inverno, vou ao Hospital dos Capuchos, situado numa zona antiga de Lisboa, a ver como anda o meu linfoma. À chegada, não reparo em grande coisa no caminho até ao serviço de Hematologia, mas quando saio, se tudo correu bem e a minha médica me manda viver em paz até à próxima, o ar tornou-se mais leve e “olha que bonito o lilás do jacarandá contra o salmão do edifício pintado de novo”. Orgulhoso do band-aid no antebraço como um puto que foi socorrido de uma esfoladela, atravesso a cerca do hospital e vou tomar um pequeno-almoço reconfortante no café em frente, pois estou em completo jejum por inerência dos tubinhos de sangue que colecionaram à minha custa e a expensas do erário público.
Há três semanas atrás, revestido noutro estatuto e encastrado num blazer azul e sapatos pretos de pala, fui ao Hospital Curry Cabral para tomar parte numa reunião de médicos de toda a zona Sul do país (qualquer coisa entre Leiria e o Algarve). O Curry tem jardins lindíssimos e costumam aconchegar-se no seus relvados os tons metálicos e cintilantes de dezenas de patos que, calculo, praticam curtos ciclos migratórios entre os relvados do hospital e os aristocráticos jardins e lagos da Gulbenkian, à justa do lado de lá da avenida. Desta vez não vi nenhum palmípede e perguntei ao Nuno que seria feito deles.
“Sei lá”, respondeu, pragmático, “se calhar comemo-los...”
No final da reunião, o Nuno Riso (um senhor da Medicina Interna e das doenças autoimunes que trabalha no Curry) veio acompanhar alguns de nós até ao portão e ao passar por uma álea, desenhada entre pavilhões do hospital, saquei do telemóvel e posicionei-me para tirar uma foto aos magníficos jacarandás que formavam um túnel de verde onde só faltava uma cabrocha de sombrinha. Mas estranhei, no estuante Maio lisboeta, as árvores não ostentarem ainda uma só flor. O Nuno esclareceu:
“É que não são jacarandás, pá, são tipuanas e ainda não estão em flor. Dão uma flor linda, amarela...”
Fez-se luz na minha cabeça, a mim, que andava por aí a pensar em jacarandás roxos e jacarandás amarelos, que chamei “poalha de jacarandá” ao pano de fundo que uso como leitmotiv do meu blog. Afinal, Lisboa, essa cidade do Sul, está cheia de exemplares de flora de ressonância exótica: palmeiras, jacarandás, tipuanas... Por aqui, pensámo-nos logo na América do Sul, ao contrário, por exemplo, do Porto, que nos meses de Maio e Junho rescende a tília e onde a casca branca das bétulas abrilhanta os parques, parecendo que as paisagens da Europa do Leste poderiam espreitar por entre a folhagem.
Alguém, para além do António Barreto, devia cantar esta hospitalidade.




© Fotografias de Pedro Serrano, Lisboa. De cima para baixo: (1) Hospital dos Capuchos, Junho 2008; (2) Hospital Curry Cabral, Maio 2011; (3) Avenida Elias Garcia, Junho 2010.

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