D’amor não morreu, mas quasi
Num dia branco de Outono
Ao despertar do seu sono
Meu coração naufragado,
São Sebastião lanceado
Por Cupido ao abandono,
Que após pirueta rasgada,
Se esgueirou célere pr’a casa,
Antes que alguém o acusasse
Antes que a mãe o chamasse.
D’amor não morreu, mas quasi
Sob uma cadeira tombado,
Meu coração afogado
Num paúl de choro e lamento
Esguichando sentimentos,
Derramando pensamentos,
Oh, convulsivos momentos,
Pudesse eu um dia esquecê-los
Pudesse um dia eu revê-los.
D’amor não morreu, mas quasi
Esperando ser chamado,
Ansiando ser tratado,
Aguardando a sua vez
Na fila das manhãs de espera
Às portas de um hospital,
Meu coração passou mal.
E se conservou a ilusão
(De tintura e algodão)
Que tudo pode ser consertado
Ali foi desenganado.
D’espanto não morreu, mas quasi
Com o mágico de tez distante
Que, ao rematar o diagnóstico
E revelando o prognóstico,
Anunciou em tom cortante:
“Vida, só com transplante.”
Meu coração foi-se abaixo,
Mas por apenas um minuto,
E, com um ar grave de luto,
Recorreu da decisão:
“Quero uma outra opinião.”
Por ti não morri, mas quasi
És um parvo, coração,
E se me sobrasse algum tino
Deixava-te já num vidrão
Ou nos escombros poeirentos
De uma obra em construção.
Mas não passas de um menino
A quem rebentou o balão
E eu cumpro o meu destino
De te amparar o caminho
De te levar pela mão.
D’amor não morreu, mas quasi
Coração dormita agora,
Esquecendo a qualquer hora
Em que pode findar seu bater.
Mas que posso mais eu fazer?
Todo o dia, a noite inteira,
Em silêncio, à sua beira,
Quebro a luz ao candeeiro,
Acomodo o travesseiro,
Entalo-lhe o cobertor.
E, se em gelada vigília,
Farejar na madrugada
O desamarrar dos laços
Que, ténues, o ligam ao ser
Toma-lo-ei nos meus braços,
Cerrarei seus olhos baços
Para que, enfim, possa morrer.
(É quanto me sobra aprender.)
© Fotografia de Pedro Serrano, Porto, 2011.
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