Hoje acordei com barulho lá fora.
O tempo tem estado tão quente que durmo de janela aberta, apenas corro o estore para que não entre mosquitada mas mantenho os furinhos da persiana abertos, aprendi a gostar da luz que se côa por cada um desses interstícios e deposita rolos de libras de ouro no envernizado dos móveis pelas primeiras horas da manhã, das sombras tracejadas que, pela horas quentes, projectam no tecto e no chão dos quartos e das salas, do tom fulvo de corpo de violino com que é contagiada, sob a luz do poente, a madeira de um vulgar louceiro de sala de jantar.
Coava-se já uma claridade frouxa pelos intervalos das ripas de plástico dos estores, mas era muito suave, seria cedo... Procurei o relógio na mesinha de cabeceira: passava um pouco da seis da manhã. Não se houve ainda ruído de trânsito nem trinado de melros, o som que me chega é surdo e apaziguador.
Levanto-me, espreito pelos buracos no plástico, deixo-me estar um pouco a tentar perceber de onde vem o som, o que se passa lá em baixo, no jardim. Não vejo ninguém, mas depressa percebo que o barulho é o de água a cair na terra, o timbre do som mudando quando cai sobre a folhagem – é o Sr. Alfredo que anda a regar! Não sabia que vinha tão cedo! Claro que esta é a melhor hora para que a terra tire rendimento de ser molhada, mas mesmo assim – 6 da manhã!
É engraçado estar aqui há já tantos dias, encontrar sempre a terra com uma negrura húmida, as flores com um ar tão vitaminado, e nunca o ter visto. Agora percebo o porquê, ele vem logo que há luz no céu.
Corro ao quarto ao lado, o meu antigo quarto, a ver se o vejo, pois tem vista frontal sobre a parte traseira do quintal, sobre o passadiço de cimento que atravessa o quintal como uma risca ao meio e conduz às escadas e ao portão de serviço que dá para a Rua dos Padres Capuchinhos. Nada, a única coisa de mais palpável que consegui descortinar foi um pedaço da longa mangueira, de cor verde-cobra, agitando-se como se estivesse a ser sacudida para chegar a outro local mais à frente.
Tranquilizado, satisfeito por alguém estar a cuidar tão ciosamente da minha propriedade, da harmonia do meu jardim, do meu bem-estar, voltei para a cama e resvalei para mais umas confortadas horas de sono.
© Fotografias de Pedro Serrano, Porto (2010).
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