19 setembro 2011

A PASSARINHA


Não há moeda cunhada, nota impressa, mais bonitas do que as de Cabo Verde. Que empenho em relação à monotonia do esverdeado dólar norte-americano, à burocrática uniformidade do euro ou ao aspecto amarrotado e pouco higiénico do kuanza angolano.
Em Cabo Verde é um prazer olhar para a divisa, há mesmo uma nota (a de 2.000 escudos) que nos dá a conhecer um poema sobre o martírio do amor, cuidadosamente caligrafado sobre o fundo azul e rosa de uma flor de cinco pétalas! Quanto às moedas, uma é atravessada por um veleiro pensativo, noutras se homenageiam plantas locais ou pássaros do arquipélago.
Um das aves cunhadas é  o Halcyon leucocephele, mais conhecido por Passarinha. Ao invés do que o nome pode fazer suspeitar, a passarinha é mais uma passarona e, em tamanho, rende cinco ou seis pardais dos nossos.
Aqui, no hotel onde estou, há uma que reina no pedaço de jardim que tem por sul o mar e por fronteira a piscina, e a passarinha passa a luz do dia a mergulhar do telhado para o relvado vizinho, a bicar algum insecto ou verme que percepciona lá do alto com o seu olhar agudo, bichito que pinça com o bico poderoso, a fazer lembrar o do melro, e engole em pleno voo, mesmo antes de pousar no intrincado tecido de uma ramagem de palmeira ou se empoleirar, triunfante e breve, no vértice carnudo de uma folha de cacto.
Mas o que emociona, o que transcende a biologia e, talvez, a tenha feito merecer a eternidade da prata gravada é a plumagem azul que reveste o terço inferior do corpo da ave e, quando ela levanta voo, faz empalidecer de inveja o brilhante anil do céu africano, ofuscado pela aparição de um azul-cobalto desdobrado de fresco no arco-íris de um país das maravilhas.

© Fotografias: Pedro Serrano, Santiago (Cabo Verde), Setembro 2011.

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