Por uma razão concreta, a Primavera
faz-me recordar o meu pai. Esta lembrança está directamente relacionada com um
acontecimento doméstico que ele presenciou e sobre o qual, daí em diante,
queria sempre saber o ponto da situação.
Na parede mais protegida e ensolarada
do alpendre de minha casa, numa latitude já vizinha do tecto, uma andorinha
estrangeira construiu um dia – são passados bons anos sobre esse dia – um
ninho, um daqueles abrigos arquitectados com rodriguinhos de lama justapostos
que mais fazem lembrar uma colmeia do que um ninho. Após a postura e a migração
para outras paragens nunca mais a andorinha retornou e o ninho quedou-se vazio
no alpendre.
Anos passados, numa outra primavera,
surpreendi um pequeno pássaro, de um castanho-fulvo que ganha brilhos canela
quando a luz do sol lhe incide em pleno voo, peito generoso e bico fino e comprido
de quem catrapisca insectos, numa actividade de sub-aluga, atarefado a
acrescentar os rebordos terrosos do ninho com pequenos fragmentos de vegetação.
Uns dias mais tarde, espreitava do ninho a cabeça de uma avezita que,
plausivelmente, chocava ovos – pois que dali não arredava asa – e um parceiro
fazia cautelosas trajectórias entre o quintal e o ninho por sobre o pescoço da
Mia que, cá em baixo, vigiava atentamente a azáfama.
Foi a essa fase de instalação que o
meu pai, passando uns dias aqui em casa, assistiu com prazer, prazer que se
transformou em deleite quando quatro ou cinco bocas piantes eclodiram no ninho,
reclamando o dia inteiro por sustento. E os pais não mais tiveram sossego, batendo
as redondezas em busca de vermes e pequenos insectos para alimentar aquela
corja uivante que me pejava a tijoleira de abundante merda fresca, despojos que
a Carlota, no seu amor por animais, mangueirava sem se queixar.
A partir desse ano, de cada vez que ia
ao Porto por Abril ou Maio, o meu pai, da sua poltrona na sala de estar,
perguntava:
“Então, já tens inquilinos no ninho
este ano?”
E agora, mesmo nos anos em que nenhum
pássaro vem chocar no velho ninho, a primavera me faz lembrar o meu pai.
© Fotografias de Pedro Serrano, Praia da Areia Branca, Maio 2014.
És muito riquinho...uma ternurinha...muito fácil de se gostar, um dom!
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