Na nova obra, Dylan discorre, em linguagem coloquial e aparentemente ao correr da pena, sobre 66 canções, 60 % das quais êxitos dos anos 50 e 60, época em que Bob Dylan tinha entre dez e vinte anos, ou seja: são canções dos primórdios da sua formação musical, quando a rádio era o principal veículo para ouvir música. Há também canções dos anos 20 e 40, e um quarto delas são dos anos 70 e 80.
Nenhuma das canções escolhidas por Dylan para comentar é da sua autoria e, surpreendentemente, o leitor não encontrará nas cerca de 300 páginas do livro uma só composição dos Beatles ou de Simon & Garfunkel, nem sequer de Leonard Cohen ou dos Velvet Underground/Lou Reed, nomes incontornáveis da música popular do século XX, que Bob Dylan, como é do conhecimento público, aprecia e louva, para além de os ter conhecido de perto.
O que, sobretudo, o leitor encontrará na A Filosofia da Canção Moderna são descrições, constatações e reflexões (técnicas, existenciais), feitas em tom leve e por vezes tratando-nos por tu, em torno dos cantores e dos compositores, ou do ambiente em que decorreu a génese ou a gravação dessas canções, canções que abarcam o universo da música dita popular: country e folk, gospel ou soul; alguns blues, uma mão cheia de rock'n'roll, algum jazz e, ainda, uma presença e um gosto especial pelos standards de que o jazz e os crooners se apressaram a tomar conta.
Em alegre convivência e sem ordem aparente (cronológica ou outra), página a página desenrolar-se-ão sob os nossos olhos canções de Elvis Costello e Bing Crosby, Little Richard e Elvis Presley, The Platters e Ray Charles, Hank Williams e Frank Sinatra, Nina Simone e Santana, Judy Garland e os The Who, Rosemary Clooney e os The Clash, entre muitos outros intérpretes. Alguns, raros, terão direito a surgir comentados por mais do que uma canção, como é o caso de Willie Nelson, Johnny Cash, Elvis Presley, Bobby Darin e Little Richard (com direito a figurar na capa do livro). Quem conheça os gostos e o pensamento de Dylan um pouco de mais perto, saberá que a escolha não é de estranhar, embora, como lhe é costumeiro, o autor nunca se explique sobre as opções que faz.
Nesta viagem, Dylan chama também as canções de origem europeia, mas não apenas as de proveniência britânica, como seria mais de esperar num músico com as suas origens. Para além destas, encontraremos referências constantes à chanson francesa, mas também à italiana "Volare", de Domenico Modugno; e à, primeiramente alemã, "Mack the Knife". Amiúde, os leitores tropeçarão nos cantores de voz velada e macia, americanos mas de origem marcadamente italiana, como é o caso de Frank Sinatra, Dean Martin, Tony Benett, Perry Como ou Vic Damone.
Mas na órbita deste universo, aparentemente eclético, das 66 canções escolhidas gravitam, nas linhas escritas por Dylan, centenas de outras músicas, que ele irá referindo ou porque se entrelaçam com as canções que escolheu para comentar ou para ilustrar a teoria (que lhe é muito querida e é uma constante da música folk) de que todas as canções vão nascendo umas das outras e de que tudo influencia tudo. Neste contexto surgem no texto referências à influência de linhas corais da Paixão Segundo S. Mateus, de João Sebastião Bach, sobre "American Tune", de Paul Simon, ou de um andamento de uma sinfonia de Rachmaninoff sobre a melodia de "Never Gonna Fall in Love Again", de Eric Carmen, que foi um sucesso nas vozes do próprio compositor, de Tom Jones ou de Frank Sinatra.
Para além da demonstração da imitação como fonte de criação, Dylan glosa um outro item, também frequentemente discutido a propósito da música cantada: o que será mais importante numa canção, a melodia ou a letra? Bem, Bob Dylan não toma, como seria de esperar, partido por nenhum dos polos da questão, mas não deixa de nos recordar, em contraponto do alemão - idioma apropriado a festivais de cerveja, a maravilhosa qualidade plástica e melódica da língua e das vogais italianas, ou de ir deixando escapar não ser essencial compreender uma palavra de português para se perceber que o fado é um género musical que "pinga tristeza".
Em Portugal, em edição simultânea com a americana, A Filosofia da Canção Moderna será traduzida por Angelina Barbosa & Pedro Serrano, sob a responsabilidade editorial da Relógio d'Água, editora que tem tomado a seu cargo a edição da obra de Mr. Robert Zimmerman, um descendente de judeus de Odessa mais conhecido entre o público como Bob Dylan.
Notas da imprensa sobre o livro (março 2022):
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