29 abril 2022

GUTERRES E AS MATRIOSKAS

Vinte e quatro horas após ter sido recebido com sobranceira indiferença no Kremlin, eis o secretário-geral da ONU passeando-se pela baixa de Kiev de mãos atrás da costas como se flanasse no Chiado, detendo-se aqui e ali para observar um aspecto pitoresco e causando o espanto entre os guarda-costas e a comitiva.

Depois, mal entrado na sala do encontro com Zelenskii, Guterres abriu o saco das emoções e das boas intenções, vibrou com as desgraças da Ucrânia, conseguiu imaginar para as câmaras o que seria se a sua própria família levasse com um morteiro pela cabeça abaixo, e apresentou enxurradas de inferências teóricas, uma das quais sintetizava que (tal como acontece com as bonecas russas) se estava perante uma crise dentro de uma outra crise, sendo a crise mais de dentro o que se passa no interior do estaleiro em Mariopul e a crise mais de fora a invasão russa da Ucrânia. Satisfeito por ter conseguido fatiar o bolo, Guterres prometeu que, para já, se iria concentrar totalmente na primeira, sem, é claro, esquecer a segunda.

Entretanto, não querendo ficar de fora do encontro de Kiev, os russos, mal terminara a conferência, fizeram-se anunciar despejando dois mísseis sobre Kiev, explodindo o que não foi interceptado pelas baterias antiaéreas a escassa distância do local onde o secretário-geral da ONU se afadigava. Estamos falados no que concerne ao que Moscovo toma em atenção a ONU e quejandos.

Visto tudo isto, não será pois totalmente descabido que Guterres, que tem um fraco pelos corações ao alto e as mãos postas, comece as preces pelo milhar e meio de pessoas que se encontram no interior do estaleiro de Mariopul. Putin disse tudo quanto tinha a dizer sobre o assunto há semanas, quando afirmou que, ali, não entrará nem sairá uma mosca. É assim, como insectos, que considera quem lá está, cercado... 
O que ele gostaria mesmo era conseguir agarrar, ainda vivos, os combatentes do estaleiro, para os fazer desfilar na parada de 9 de Maio, em Moscovo, porventura aplicando-lhes um laxante umas horas antes, para que se cagassem de medo durante o desfile, um detalhe que os antigos soviéticos não descuravam quando se tratava de exibir prisioneiros. Mas afigurando-se isso difícil no actual figurino, Putin optará por deixá-los às voltas no espeto, empatando Guterres e os corredores humanitários e esperando que quem resta nos subterrâneos vá estourando de fome, de doença ou ferimentos, de
angústia e de medo. Afinal quem ali está, à mercê, são precisamente os mais icónicos "nazis ucranianos", os que é forçoso desnazificar, mais os respectivos comparsas: família, vizinhos, amizades, alguns velhos, nada que aqueça ou arrefeça. São pouco mais que poucos, se se fizer pesar a glória do Império no outro prato da balança. Que estourem! É para o lado que o assassino industrial de Moscovo dorme melhor. 

  

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