13 junho 2010

VOU-TE CONTAR: 1. A house is not a home

A chair is still a chair
Even when there's no one sitting there
But a chair is not a house
And a house is not a home
When there's no one there to hold you tight,
And no one there you can kiss good night.



Burt Bacharach-Hal David ("A House Is Not a Home")


© Fotografia de Pedro Serrano, Lisboa 2009.


Há muito que tenho o desejo, vago mas recorrente, de escrever sobre casas. Imaginava um livro, formado de várias partes, cada uma dedicada às casas que foram presença forte na minha vida, ou por terem sido lar ou por as ter visitado e revisitado e esses dias se me terem entranhado na existência. A parte de leão que me levaria a escolher uma sobre as outras encontraria, mais do que circunstâncias arquitectónicas ou de paisagem envolvente, justificação nas pessoas que lá moravam ou estavam. 
Incluiria nesse projecto virtual a casa dos meus avós paternos perto de Viseu, um casarão com paredes de granito de um metro de espessura, onde passei os meses de Setembro da minha infância e adolescência; e a casa, de traça árabe e lógica vertical, com terraços sobrepostos e jardim interior, empoleirada à sombra do castelo de Mértola, onde durante sucessivos Verões dos anos 80 e 90 me acoitei nos estios alentejanos.
Nesta lista faria presença obrigatória uma vivenda andaluz, erigida no meio da serra Morena, a menos de uma centena de km de Sevilha, e construída por um nazi mitómano de ascendência belga, casa apimentada pelo detalhe de um quarto secreto, sem janela para o exterior e de acesso feito por uma portinhola camuflada num dos quartos. Na descrição desta casa, como em outras, conviveriam as cercanias, os passeios dados pelas matas das redondezas em Outonos brumosos, as setas apanhadas nessas sortidas, as conversas e conservas que deles fazíamos dada a impossibilidade de comermos tanto cogumelo fresco em tão poucos dias....
Fossem prosaicas, como o terceiro andar do Fundo de Fomento da Habitação onde morei quatro anos em Trás-os-Montes ou misteriosas, como a vivenda espanhola que citei ou a casa centenária dos meus avós que, pelos ruídos que a habitam durante a noite ou pela emparedada escadaria para o sótão por trás de um guarda-vestidos tem estatuto para albergar um par de fantasmas, todas essas casas contariam uma rede de histórias de que eu seria o pretexto mas que, como uma trepadeira, entreteceriam outras pessoas e invadiriam outras dimensões. Finalmente, dessa lista fariam obrigatoriamente parte uma casa em Viana do Castelo e a vivenda em Cascais a cujas paredes acrescentei a longa convalescença de uma doença grave e a descoberta dos rolos de libras de ouro que o sol nascente projecta através dos interstícios dos estores.
Quando novo, o meu sonho era morar num chalé antiquado, com venezianas que, se escancaradas, permitissem ver o mar... Na minha imaginação essa casa teria, em letras de ferro forjado, um nome poético como Sol Nascente ou Sol Poente e seria perfeito se o nome da própria localidade ecoasse o bucolismo do local: praia da areia branca ou da areia dourada seria algo muito adequado a essa ideia. Por caminhos que desconheço como se traçaram foi a um sonho desses que fui parar, mas, como diz o ditado, não desejes demasiado uma coisa, pois pode ser que te aconteça. Ou, por outras palavras: os sonhos realizados nunca têm o sabor que lhe imaginámos, algo se perdeu quando lá chegámos.
O mesmo aconteceu ao meu projecto de livro sobre casas da minha vida. De súbito, eclipsando todas as outras, vi surgir ante mim, com a insistência muda de um pedinte, a necessidade de contar tudo o que associo ao deambular pela casa que o meu pai construiu no Porto e que vi ser erigida, habitada e fechada num período de tempo que se escoou entre os meus dedos como um chamamento que soa, ecoa e se perde no ar. 









Sob o título genérico e agregador de Vou-te Contar (olá, António Carlos Jobim, olá Chico Buarque) e a forma antiquada de folhetim em episódios irei contando por aqui, entremeadamente e sem pressas, a história dessa casa.







E aqui está o Luther Vandross a interpretar "A House Is Not a Home", 
uma composição de Burt Bacharach e Hal David














3 comentários:

  1. Que bom! Estou ansiosa por ler!

    For me a house is not a home
    When there's no one there to hold you tight,
    No one there to understand its light
    And no one there you can kiss good night.

    Para mim, o mais importante numa casa não é o local, o aspecto; é qualquer coisa esquisita a que chamo luz e de que só muito recentemente me apercebi que existia nas minhas casas. Quando me lembro delas, recordo essa "luz", só tenuamente apercebida, velada, mas ao mesmo tempo muito intensa. Sei que ela estava presente em todas as casas em que fui feliz.
    Será isto que vias entrar pelos estores em Cascais? JB

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  2. JB, Acho que sei do que falas. A luz de Cascais era, na altura, apenas luz e sentida como tal. Retrospectivamente percebi que era um equivalente de felicidade, instantânea como ela muitas vezes é.

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  3. e há a luz que batia no armário, ao fim da tarde e o transformava num violino.

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