As sardas, sobrancelha feita a lápis e perfume da Coty
“Miss Suéter” (João Bosco/Aldir
Blanc)
Uma das entradas do El Corte Inglés de Lisboa abre
directamente para a secção de lingerie
e é, por razões logísticas, a entrada que mais utilizo.
Mal se franqueia a porta automática
entram-nos pelos olhos dentro as formas de milhares de soutiens, cuecas,
combinações e outra roupa interior feminina, ordeiramente arrumada em filas,
penduradas das suas cruzetas e cruzetinhas numa variegada profusão de cores
onde, mesmo assim, reina o preto e o branco. A intervalos regulares,
fotografias maiores do que nós exibem jovens mulheres que demonstram aos olhos
boquiabertos dos passantes o efeito arrasador que pode advir de usar roupa
daquela natureza.
99,99 % das vezes que por ali passo
faço-o por razões de comodidade e, confesso, a essa comodidade vem, como um
bónus, agarrada uma emoção de bem-aventurança que me acompanha até ser engolido
pela escada rolante que leva à secção de informática do piso inferior.
Mas acontece que ontem enfrentei essa
secção com o fito de tentar substituir uma combinação preta, evaporada como
fumo em local não traçável pela memória dos actos falhados. Nos escaparates da
Calvin Klein encontrei facilmente o modelo perdido e os meus dedos desataram a
fazer deslizar as cruzetas em busca do tamanho pretendido, que parecia não
constar por ali. No momento, e enquanto por ali estive, era o único homem num
espaço onde apenas mulheres rondavam, pensativas ou febris, as delicadas peças
expostas.
“Posso ajudá-lo...?”, ouvi de uma voz
aproximando-se.
“Pode...”, respondi, rodando um pouco
sobre mim para encarar a empregada, “não tem iguais a esta em tamanho S? É que
só vejo por aqui o M e o L...”
Ela achava que não, que não tinha, mas
foi confirmar no armazém. Quando voltou trazia no braço uma combinação que
desdobrou perante os meus olhos, dizendo:
“Não, do modelo que o senhor pretende
já não temos o S; mas que acha desta? É um S, e há em preto e em beije...”
A combinação em causa era um bicho
preto, de toque também macio como pele de pêssego, mas com a zona do peito
demasiado vincada, conferindo-lhe um tanto o ar dois-em-um de soutien-saiote.
“Não gosto muito...”, comentei,
“preferia uma coisa mais parecida com o modelo de que andava à procura...”
Ela remexeu uns cabides, estendeu-me
outro exemplar, uma peça com uma linda renda negra a debruar um decote discreto
e o mesmo toque sedoso de arminho geneticamente modificado que caracterizava a
combinação perdida:
“E esta? É um pouco mais cara mas
muito bonita...”
“Hmm..., respondi, deixando correr a
renda entre o polegar e o indicador. “Sim, levo esta...”
“É para presente?”, perguntou ela
antes de se afastar para ir procurar uma caixa condigna.
Passado pouco tempo regressou com a
caixa e, antes de me pedir para a acompanhar até ao balcão onde iria acomodar a
prenda no seu leito de celofane e cartolina, perguntou de chofre:
“Não deseja também uma cuequinha a
combinar...?”
“Não, muito obrigado, por agora é
tudo...”
Fiquei, ao balcão, a vê-la embrulhar a
combinação com todo o desvelo, como se preparasse um presente para si própria,
detendo-se, a ponta da língua concentrada entre os lábios, a revirar contra uma
haste de tesoura as pontas do laço que rematava o embrulho.
Paguei e no momento em que me devolveu
o cartão de crédito e o talão para uma eventual troca, ela dardejou sobre mim um intenso
e instantâneo olhar, muito possivelmente a tentar decidir em que categoria de
caçador de lingerie me espetaria.
© Fotografia de Pedro Serrano, Panjim (Índia), 2012.
Talvez estivesse a olhar para si pensando "Será mesmo para a mulher? Ou ele sofre de fetichismo transvestido?"
ResponderEliminarJoking...
(um) beijo de mulata
@ Impossível, Moo, eu nunca caberia naquele S! Bj
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