Não quer dizer que não aparecessem de
vez em quando a visitar o irmão que morava no Porto, mas o mais frequente era
sermos nós a ir lá, a Viseu e aos arredores de Viseu onde elas moravam que,
para a maioria, a diáspora foi de raio curto.
Agora, as cinco ao mesmo tempo no
Porto, na escadaria recente da casa do meu pai e todas de broche ao peito?
Aquilo foi um acontecimento qualquer, o que seria? A própria inauguração da
casa; o casamento da minha irmã mais velha; um aniversário em números redondos
do meu pai? Sei lá, falta uma data no verso da fotografia, o meu pai às vezes
identificava lugares e datas... Só ali não está a minha tia Ilda, mas essa
estava em Angola, no Lobito – tinha bom pretexto para faltar à chamada – o que
quer dizer que aquilo é pré 1974, antes da debandada.... e foto a preto e
branco condiz com esses dias.
De resto, estão as outras cinco: de
cima para baixo e da esquerda para a direita Clara, Amélia Céu; Celeste e
Otília na primeira fila. A minha tia Céu (em último plano, encostada à parede)
era a mais velha, foi uma espécie de mãe para o meu pai, tomou conta dele que
era órfão como ela, estava sempre atenta e entregava-lhe umas notas
amarfanhadas quando o sentia mais apertado com as despesas dos estudos, o meu
pai tinha uma enorme admiração e afeição por ela; nós também, porque víamos que
era assim e não tínhamos nada que indicasse o contrário.
Por baixo dela, de óculos fumados, está
a tia Otília, a tia de bigode como é próprio de uma tia solteirona. Mantinha o
buço rapado curto, picante, e deixou-nos tudo quando morreu, ainda andamos a
dividir cadeiras de palhinha, louças e cobertores de papa em lotes de cinco; a
casa dela vai agora à praça, a parede da sala onde passávamos a passagem de ano
tem uma brecha com vista para as silvas do quintal. A mais bem-humorada, embora
não se note, é a de olhar arregalado, no meio da segunda fila, a minha tia
Amelinha, uma brincalhona gozona, e uma alma doce; casada com um homem também
doce e que percebia imenso de alambiques; não tiveram filhos, deixaram
pinheirais e matas como quem deixa esquecido um monte de lenços de assoar.
E de tias daquele lado – paterno –
estaria tudo, não fora o meu tio Zé, que o outro tio homem que restava seguiu a
igreja e, que a gente saiba, não teve filhos das muitas freiras que a gente via
esvoaçar em torno dele. O tio Zé partiu ainda adolescente para o Brasil, nunca
mais ninguém o viu, nunca escreveu uma linha para Portugal, como é possível
desligar assim? Suponho que terá pisado o convés aborrecido, nunca soube com o
quê, ninguém falava nisso, havia quem dissesse que o tinham envenenado com assuntos de partilhas e heranças. O meu pai, a quem a ausência fazia mossa, não
desistiu de o procurar, mantinha em permanência contactos acesos nos
consulados, sempre que alguém dos seus conhecimentos ia ao Brasil encomendava
informações como se o Brasil fosse assim a aldeia onde todos tinham nascido. E
o que é certo é que um dia teve sorte, recordo a excitação, e não tardou um
fósforo que não se pusesse a caminho com a minha mãe, levantaram voo assim que
tiveram a certeza que não seriam mal recebidos, que a visita não era indesejada:
o meu tio Zé deixara-se descobrir, morava em São Paulo, tinha casado, também
não era pai de filhos.
Os meus pais regressaram contentes do Brasil, a minha
mãe muito impressionada com as adivinhações e premonições que se praticavam em
casa deles, o meu pai impressionado com a mulher dele, uma mulata – como a da
canção - chamada Leonor, requintada, professora na faculdade de letras. E assim
se fez a minha sexta tia paterna, na foto a cores com a minha mãe e o tio que
nunca vi em carne e osso, uma tia mais dada a emoldurar-se com colares do que
com broches; talvez a coisa tenha a ver com os descobrimentos e o clima.
© Fotografias; de cima para baixo: (1) Porto, data e fotógrafo desconhecidos, (2) São Paulo, Brasil, fotografia de Eduardo Serrano, 1972.
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