Quando o telemóvel tocou andava pelo
supermercado, na prateleira dos derivados do tomate, à procura de polpa, a
explorar um spaghetti à bolonhesa que trazia na ideia para o jantar.
Era a minha sogra e queria saber como seria
com o Natal deste ano. Contei o que já estava alinhavado: a 24 jantava com a
família lá de cima, o cozido do almoço de 25 era por conta da minha irmã
Clarinha e, a partir daí, não tinha nada programado.
“Então fica como o costume”, disse ela
num despacho: “vens cá jantar a 25, com o Zé João.”
“OK”, agradeci do lado de cá da polpa
de tomate, “aí estarei”, logo me escorregando o fluxo do raciocínio do
spaghetti para a necessidade de encomendar, mal chegasse ao Porto, um bolo-rei
e um pão-de-ló dos grandes, pois em casa da minha sogra são ferrenhos do pão-de-ló
com vinho do Porto, e bolo-rei, já se sabe, não há igual ao que se enforna na
capital do Norte, em que até a fava tem um torrado sem calcanhares a que se chegue.
Corriqueiro diálogo, concluirão
ouvintes mais impacientes, dado que milhares de planos desta natureza terão
lugar todos os Natais por esse éter fora... A pequena diferença, neste conto de
supermercado, é que o contador é divorciado de mais de dez anos, pelo que esta
sogra, antiga de trinta anos, e este telefonema de prazenteira combinação
deveriam, no mínimo, jazer soterrados no pó do tempo ou no gelo do esquecimento.
Ah, mas vocês não conhecem a minha
sogra, ela é uma especialista em manter famílias agregadas, uma espécie de íman
familiar, teimoso e distraído... Para ela, separações, divórcios, filhos e
netos a morar a 3.000 km, não são nada que não se ultrapasse com meia-dúzia de
truques do livro de receitas de família. Já me dera conta disso quando os meus
cunhados se separaram, e o mesmo aconteceu quando chegou a vez à filha mais
velha e ao seu, então, marido – eu.
É claro que durante uns, escassos, anos as relações bilaterais amornaram – é humano que cada destroçada parte torça pelo seu
grupo sanguíneo, qualquer especialista em transfusões nos explicará as razões
disto – mas, ainda assim, a minha fotografia não desapareceu do lintel por cima
da lareira, apenas foi remetida durante o período de nojo para plano mais
discreto, mais atrás, perto da chaminé, que, no fundo, a minha sogra não me queria
arrefecido de todo.
Agora, continuámos a encontrar-nos em
casa dela para celebrar mais uma consoada e tirar uma sorridente fotografia de
Dezembro, retrato onde só os mais novos aparecem de cara fechada ou em trejeito
brincalhão, pois ainda não se aperceberam completamente do pequeno milagre em
que participam nessa noite de outras muitas...
E, olha, lá estamos todos, depois do peru,
das rabanadas, do pão-de-ló e do celebrado
“Olhem que este vinho do porto é colheita do
ano em que eu nasci...,”
a sala tão bonita e ricamente
decorada, o meu filho afagando as teclas do piano, a minha sobrinha belga à
viola, cantando qualquer coisa alusiva, juntos, os que partilham o sangue e
aqueles que nem sonhavam a existência dos outros antes de entrarem aquela casa;
os que pisam as escadas para o andar de cima com a inconsciente desenvoltura de
sempre e os que, como eu, optam agora pelo lavabo do rés-do-chão para lavar as
mãos e darão uma última olhadela ao presépio (na mesinha onde outrora ficava o telefone) antes de rodar o puxador da porta da sala, movimento ao qual a minha
sogra, como se fosse uma senha que só nós conhecemos, dirá:
“Ah, só faltavas mesmo tu... Meninos, já
podemos ir para a mesa...”
© Fotografias de Pedro Serrano, Cascais: (1) 2012; (2) e (3) 2009.
Adorei! :)
ResponderEliminarCarol
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarDear Carol, Só agora reparei que eras tu! Só tinha olhado para o anónimo. Besos muchos e see u on 25
ResponderEliminarDr. Pedro venho por este meio desejar-lhe um Feliz Ano Novo,tudo de bom para si.Um Abraço Ana (eu tenho lido tudo que tem escrito e estou a adorar)
ResponderEliminar@ Ana Maria, Obrigado pelas suas palavras. Votos de Bom 2013 para si também. Aqui vai o mail da Zaida (zaidabraga@gmail.com) tentei mandar para o seu mail mas veio devolvido. Abraço do pedro
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