Estava em casa da minha tia Fernanda, que migrara da
sua localização habitual na rua do Amial para a esquina da Antero de Quental
com a Arca de Água, mais ou menos no local onde antes havia uma mercearia onde
as Pais tinham conta aberta. Preparava-me para ir a Coimbra, onde o tinha
deixado, buscar o carro, mas antes disso ficara de me encontrar com o meu pai e
devia fazer a barba.
Assim sendo, não fosse ele chegar, apitar lá baixo do
automóvel e eu não estar ainda disponível, solicitei à Denise, levando-a comigo
até à janela e sob o olhar do Ricardo que continuava sentado, os braços
estendidos e apoiados no maple:
“Denise, se o meu pai chegar enquanto estou a fazer a barba,
pedes-lhe para esperar um bocadinho? Ele que encoste ali...”, acrescentei apontando
um espaçoso lugar entre carros estacionados.
Fui para o quarto de banho e comecei a ensaboar a cara
quando o vi o meu primo Manel, encostado ao vidro martelado da porta, que se
materializara ali de repente e me observava.
“A tia Fernanda ainda é viva?”, perguntei-lhe, pois
estranhara o silêncio na casa toda.
“Não”, disse ele, “já morreu há que tempos...”
“Então quem está agora nesta casa?”
Ele encolheu os ombros:
“É uma senhora que toma conta dela, mas não está cá agora,
penso eu.”
Acabei de escanhoar a cara e voltei à sala pensando em que,
se calhar, o melhor era apanhar um táxi para deixar o Porto e ir a Coimbra
buscar o carro. Pelo menos até à saída da cidade. Na sala já não encontrei a
Denise nem o Ricardo e a janela para a rua continuava escancarada. Espreitei,
vi o Xantia do meu pai estacionado lá em baixo.
Falei e despedi-me do meu pai à porta da casa, já do lado de fora. Ele não falou, esticou um dedo e começou, com um gesto de mão leve e carinhoso, a desenhar como se fossem letras no meu queixo. Era uma frase longa e embora não tenha reconhecido as palavras uma a uma alcancei-lhe o sentido geral. Depois abraçamo-nos e ele foi-se embora. Chorei um pouco, emocionado com o encontro e o seu carácter de despedida. Já não estava ali ninguém comigo.
Falei e despedi-me do meu pai à porta da casa, já do lado de fora. Ele não falou, esticou um dedo e começou, com um gesto de mão leve e carinhoso, a desenhar como se fossem letras no meu queixo. Era uma frase longa e embora não tenha reconhecido as palavras uma a uma alcancei-lhe o sentido geral. Depois abraçamo-nos e ele foi-se embora. Chorei um pouco, emocionado com o encontro e o seu carácter de despedida. Já não estava ali ninguém comigo.
© Fotografia de Pedro Serrano, Porto, 2015.
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