06 maio 2015

NÃO VENHAS TARDE: 13. FODA-SE, JOSÉ AUGUSTO!

No renque de discos que o Rui tem no quarto, enfileirados sob a janela com vista para o pináculo neogótico da igreja do Marquês, há um que destoa na maioria rock, Motown e música clássica que ele foi comprando ou tomando de empréstimo. Suponho que o disco de que falo terá migrado da colecção de discos dos pais dele, pois é um vinil antiquado, grosso e rígido, de capa a preto-e-branco onde se empoleiram para o retrato quatro tipos de laço, casaco com debrum e brilhantina no penteado. O grupo chama-se Four Lads, são canadianos e no ano de 1953, ano em que eu nasci e o Rui gatinhava, fizeram sucesso mundial com uma canção chamada “Istambul (Not Constantinople)”, uma música que parodia a mudança de nome da capital do Império Bizantino (Constantinopla), ocorrida em 1930.
Ambos adoramos a canção, a letra e o swing, e era nossa intenção entrar em Istambul entoando-a:
   Istanbul was Constantinople
   Now it's Istanbul, not Constantinople
   Been a long time gone, Constantinople
   Now it's Turkish delight on a moonlit night

Mas agora estamos a mais de 100 km de Istambul e o nosso transporte arrancou para Constantinopla sem nós, mas com as nossas mochilas a bordo! Menos mal que os passaportes e o dinheiro se aconchegam, seguros, nos bolsos secretos dos jeans.
Passado o choque inicial, expelido o primeiro e derradeiro “estamos fodidos”, subimos para uma camioneta local que partia para Istambul. Para além de nós os três, só mais quatro indígenas seguem na camionete. Por gestos, uma vez que nenhum fala uma palavra seja do que for em língua que se entenda a Ocidente, conseguimos explicar o que se tinha passado, o que muito divertiu o condutor e os três turcos que, sempre em pé, se acumulam em volta dele e ficaram encantados com a missão detectivesca que lhes tombara do céu. Campos de girassóis sem fim deslizam de um lado e outro da estrada e, agora, surge o Adriático à nossa direita. Mas, no interior da camionete, a conversa prossegue, pois os autóctones estão interessadíssimos em nós: um deles sabe de futebol e desfila os nomes de José Augusto, Torres, Eusébio e por aí fora. Esgotado o futebol, seguiu-se, entre risos hilares, o sexo e os equivalentes de “foder” em múltiplas línguas. Quanto a nós, tomados por uma atenção expectante eléctrica, vamos julgando ver a nossa camioneta em várias com quem nos cruzámos. Mas, afinal, não era ela e os nossos hospedeiros acenam que não nos preocupemos, que havemos de os encontrar: agora querem saber os nossos nomes e se temos moedas dos nossos países que lhes possamos ofertar. Apertos de mão para firmar a amizade, sustidos por francas gargalhadas de prazer da parte deles, dado que o nosso humor vai da cor dos girassóis.
Torres, Eusébio, José Augusto.

Finalmente, e devemos estar apenas a uns vinte quilómetros de Istambul, é com ela mesmo que nos cruzamos e acenámos, felizes, para os conhecidos que, por sua vez, nos saúdam freneticamente do lado de lá dos vidros. Mas, depois de uma troca de palavras em turco entre janelas, acabámos por não parar e mudar de transporte, pois o nosso condutor – suponho que desejoso de nos manter o tempo que puder – informa que ambas as camionetas terminam o trajecto na mesma estação em Istambul. Assim seja, mas eu teria preferido mudar logo ali.

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