18 abril 2011

INTENSO LUAR


Quando amanhã, pelas dez da noite, o Zézinho me vier buscar completar-se-ão as três semanas em que deambulo por Cabo Verde, misturando trabalho e férias de um modo tão harmónico que ninguém saberá quem começou o quê.
Em pouco mais de dez minutos, o Zézinho deixar-me-á no bonito e eficiente aeroporto da Praia onde, pelo meu pé e sob intenso luar, vou atravessar o asfalto da pista até às escadas do avião que, depois dos sacolejos de um autocarro apinhado, me vomitará na Portela e nesse deprimente país que tentei esquecer durante estes dias. Mas não foi fácil, pois apesar de nunca ter, sequer, ligado a televisão nos três quartos diferentes onde estive, esta gente não faz outra coisa senão ver TV portuguesa! E não me refiro à RTP-África, mas sim à RTP1, à SIC e à TVI, canais que têm sintonizados em permanência, como se isto fosse Portugal ou uma qualquer adjacência. Na noite (só para sublinhar o que digo) em que o Futebol Club do Porto ganhou não sei que taça muito importante era ver os cortejos de carros apitando na noite e os cachecóis do Dragão a flutuarem janelas fora! Sublinhe-se que o glorioso FCP é apenas o segundo club mais amado no arquipélago, sendo o Benfica o primeiro, e o Sporting o terceiro, mas, como me confidenciou o Daniel, o nosso guia na ilha do Sal, o despertar do Braga está a causar enorme espanto...
Depois destes anos todos, há um qualquer affaire muito estranho entre eles (incluo também os angolanos no fenómeno) e nós, relação que não sei explicar mas que não nos causa estranheza alguma, embora deixe boquiabertos outros ex-colonizadores, como ingleses ou franceses, ou os neocolonialistas americanos, que se perguntam como é que restos de migalha como nós têm tanto peso em África. Enquanto eles se interrogam e tentam perceber o busílis, os nossos governantes continuam o sono dos justos, abrindo de vez em quando um olho para fitarem aterrorizados o Norte.
Adiante. Ontem, quando o avião levantou do Sal, havia intenso luar lá em baixo, espelhado no mar, desenhando os contornos da ilha, e a lua reverberava descarada pelos postigos adentro, mantendo o interior da aeronave prateado mesmo durante a escuridão de segurança da descolagem. Suponho que amanhã estará parecido, pois o céu mantém-se intoxicado de azul e a lua-cheia, graças a Deus ou ao bigbang, dura mais do que uma solitária noite.
Reclinado na esplanada sobre a piscina, aviava umas linguicinhas e picava quadradinhos de queijo de cabra do Fogo, enquanto imaginava tudo isto que escrevi e ia decidindo que tornaria tudo mais saboroso se desse ao meu texto um título em crioulo. Eis que a empregada se aproxima com o meu descafeinado Delta e eu, confiante no seu ar vivo, lhe pergunto:
“Como se diz luar em crioulo?”
“Como?!”, perguntou ela, com ar de não ter percebido bem a questão.
Luar”, repito, desdobrando a explicação, “sabe, como quando está lua-cheia e fica tudo claro e iluminado por ela...?”
“Luar!”, respondeu-me, levantando levemente os ombros e as sobrancelhas para sublinhar o ponto de exclamação.


© Fotografias de Pedro Serrano, Cabo Verde, Março e Abril 2011.

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